Artigo: O conceito de naturalidade e a medida provisória nº 776/2017 – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

1- A MEDIDA PROVISÓRIA 776/2017

Em 27 de abril de 2017 foi publicada a Medida Provisória 776, de 26/04/2017 (MP 776/2017), que entrou em vigor na data da sua publicação, conforme previsão do art. 2º da referida MP. Cabe criticar uma norma legal que altere o registro civil e que entre em vigor no mesmo dia da sua publicação. Com certeza, muitos oficiais do registro civil sequer foram informados da existência da norma.

Até a publicação da MP 776/2017, o termo “naturalidade“,no Brasil, era compreendido como “localde nascimento“. Já não é mais assim. A partir de 27/04/2017mudou o conceito de naturalidade no Brasil, tendo sido alterada a redação da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73. Agora, a naturalidade é uma opção do declarante, podendo ser o Município de residência da mãe, desde que localizado em território nacional, ou o Município onde ocorreu o nascimento, conforme art. 54, §4º da Lei 6.015/73, na redação dada pela mencionada MP[1].

Pode parecer estranho, mas em Portugal a naturalidade já envolvia uma opção. De fato, consta do Código do Registo Civil de Portugal:

 

CÓDIGO DO REGISTO CIVIL DE PORTUGAL

“SUBSECÇÃO II Registo de nascimento

Artigo 101º Competência

[…]

2 – Para efeitos dos assentos de nascimento ocorrido em território português, a lavrar após a entrada em vigor deste diploma e de que não haja registo anterior, considera-se naturalidade o lugar em que o nascimento ocorreu ou o lugar, em território português, da residência habitual da mãe do registando, à data do nascimento, cabendo a opção ao registando, aos pais, a qualquer pessoa por eles incumbida de prestar a declaração ou a quem tenha o registando a seu cargo; na falta de acordo entre os pais, a naturalidade será a do lugar do nascimento.

Provavelmente a finalidade da norma é esclarecer que a criança residirá em determinado Município e não naquele onde nasceu. A importância do esclarecimento quanto à naturalidade é que, como a política pública atual é de não manter maternidades nas pequenas localidades[2], e tendo em vista que a naturalidade era o local de nascimento, nos cadastros públicos, como o do IBGE, constava menor número de “naturais” desses pequenos municípios.Com isso, esses pequenos municípios vinham recebendo menoratenção e menores repasses do que deveriam receber.


2- O QUE MUDOU NO REGISTRO CIVIL COM A MP:

A) O QUE MUDOU EM RELAÇÃO À CERTIDÃO DE NASCIMENTO: Conforme a MP, não mais constará da certidão de nascimentoo local de nascimento, mas apenas a menção à naturalidade: art. 19, §4º – “As certidões de nascimento mencionarão a data em que foi feito o assento, a data, por extenso, do nascimento e, ainda, expressamente, a naturalidade.” (grifamos)

B) O QUE MUDOU EM RELAÇÃO AO ASSENTO DE NASCIMENTO:

B.1) Conforme a MP, foi incluída a naturalidade do registrando no assento de nascimento: art. 59, “11) a naturalidade do registrando”.

B.2) Foi incluído o §4º ao art. 59, § 4º, mudando a definição de naturalidade – a naturalidade agora é uma opção do declarante: “§ 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, cabendo a opção ao declarante no ato de registro do nascimento.” (grifamos)

B.3) Foi esclarecido que na adoção iniciada antes do registro de nascimento, pode haver opção pela naturalidade do Município de residência do adotante, além das demais hipóteses legais, quais sejam, Município de nascimento ou de residência da mãe da criança: § 5º  Na hipótese de adoção iniciada antes do registro do nascimento, o declarante poderá optar  pela naturalidade do Município de residência do adotante na data do registro, além das alternativas previstas no § 4º.” (grifamos)

Importante esclarecer que o local de nascimento continua constando do assento, apesar de não mais constar da certidão de nascimento.

C) O QUE MUDOU EM RELAÇÃO AO ASSENTO DE CASAMENTO:

No assento de casamento, em vez do local de nascimento dos cônjuges, constará a naturalidade: “Art. 70. Do matrimônio, logo depois de celebrado, será lavrado assento, assinado pelo presidente do ato, os cônjuges, as testemunhas e o oficial, sendo exarados:   1º) os nomes, prenomes, nacionalidade, naturalidade, data de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges” (sem grifos no original)

3- SUGESTÃO DE REPOSTA PARA ALGUMAS QUESTÕES

A MP não esclareceu alguns pontos muito relevantes:

3.1- Sabe-se que os modelos das certidões em resumo, que são as certidões expedidas em regra pelo Registro Civil, foram fixados pelo Provimento nº 3/CNJ. Esses modelos são obrigatórios e ainda não foram alterados. Portanto, até que sejam alterados, mesmo não mais sendo exigido que conste o local de nascimento, deve-se continuar constando tal dado na certidão de nascimento.

3.2- A naturalidade será inserida em qual campo da certidão? Isso não foi esclarecido. Sugere-se que, até que seja alterado o Provimento nº 3/CNJ, conste a naturalidade no campo observações da certidão.

3.3 – Quais devem ser os dizeres no campo observações relativamente à naturalidade? Sugere-se o seguinte texto: “O declarante optou, conforme art. 54, § 4º, da LRP, por ser a criança natural do Município XXXX” (lembrando que pode-se escolher ou o Município do local do nascimento da criança ou o Município da residência da mãe da criança na data do nascimento,desde que localizado em território nacional).

4- Tabela comparativa

Elaboramos a tabela abaixo, devidamente comentada, para melhor visualizar as mudanças:

Lei nº 6.015/73

COMO ERA ANTES DA MP

Lei nº 6.015/73

O QUE MUDOU COM A MP

Art. 19. A certidão será lavrada em inteiro teor, em resumo, ou em relatório, conforme quesitos, e devidamente autenticada pelo oficial ou seus substitutos legais, não podendo ser retardada por mais de 5 (cinco) dias. (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1974)

§ 1º A certidão, de inteiro teor, poderá ser extraída por meio datilográfico ou reprográfico.      (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1974)

§ 2º As certidões do Registro Civil das Pessoas Naturais mencionarão, sempre, a data em que foi Iavrado o assento e serão manuscritas ou datilografadas e, no caso de adoção de papéis impressos, os claros serão preenchidos também em manuscrito ou datilografados.     (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1974)

§ 3º Nas certidões de registro civil, não se mencionará a circunstância de ser legítima, ou não, a filiação, salvo a requerimento do próprio interessado, ou em virtude de determinação judicial.      (Incluído dada pela Lei nº 6.216, de 1974)

§ 4º As certidões de nascimento mencionarão, além da data em que foi feito a assento, a data, por extenso, do nascimento e, ainda, expressamente, o lugar onde o fato houver ocorrido.      (Incluído dada pela Lei nº 6.216, de 1974)

§ 5º As certidões extraídas dos registros públicos deverão ser fornecidas em papel e mediante escrita que permitam a sua reprodução por fotocópia, ou outro processo equivalente.     (Incluído dada pela Lei nº 6.216, de 1974)

O QUE MUDOU EM RELAÇÃO À CERTIDÃO DE NASCIMENTO 

§ 4º  As certidões de nascimento mencionarão a data em que foi feito o assento, a data, por extenso, do nascimento e, ainda, expressamente, a naturalidade. – NÃO MAIS DEVE CONSTAR NA CERTIDÃO O LOCAL ONDE HOUVER OCORRIDO O NASCIMENTO E INCLUIU A NATURALIDADE

 […]

Art. 54. O assento do nascimento deverá conter:         (Renumerado do art. 55, pela Lei nº 6.216, de 1975).

1°) o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada;

2º) o sexo do registrando;         (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975).

3º) o fato de ser gêmeo, quando assim tiver acontecido;

4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança;

5º) a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto;

6º) a ordem de filiação de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou tiverem existido;

7º Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal.(Redação dada pela Lei nº 6.140, de 1974)

8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos;

9o) os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde.      (Redação dada pela Lei nº 9.997, de 2000)

10) número de identificação da Declaração de Nascido Vivo – com controle do dígito verificador, ressalvado na hipótese de registro tardio previsto no art. 46 desta Lei.      (Incluído pela Lei nº 12.662, de 2012)

 

O QUE MUDOU EM RELAÇÃO AO ASSENTO DE NASCIMENTO

“Art. 54.

NÃO MUDOU O 1º, LOGO,  NO ASSENTO CONTINUA O LUGAR DO NASCIMENTO.

 

9º) os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde; (NÃO MUDOU NADA)

 

 

10) número de identificação da Declaração de Nascido Vivo, com controle do dígito verificador, exceto na hipótese de registro tardio previsto no art. 46 desta Lei; e (NÃO MUDOU O CONTEÚDO, SÓ A REDAÇÃO)

 

11) a naturalidade do registrando. (INCLUIU A NATURALIDADE DO REGISTRADO NO ASSENTO)

[…]

§ 4º  A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, cabendo a opção ao declarante no ato de registro do nascimento. (MUDA A DEFINIÇÃO DE NATURALIDADE – A NATURALIDADE AGORA É UMA OPÇÃO DO DECLARANTE ENTRE O MUNICÍPIO DO NASCIMENTO E O MUNICÍPIO DE RESIDÊNCIA DA MÃE DO REGISTRANDO)

§ 5º  Na hipótese de adoção iniciada antes do registro do nascimento, o declarante poderá optar  pela naturalidade do Município de residência do adotante na data do registro, além das alternativas previstas no § 4º.” (DEFINIÇÃO DE NATURALIDADE NA ADOÇÃO INICIADA ANTES DO REGISTRO DE NASCIMENTO)

 CAPÍTULO VI
Do Casamento

Art. 70 Do matrimônio, logo depois de celebrado, será lavrado assento, assinado pelo presidente do ato, os cônjuges, as testemunhas e o oficial, sendo exarados:        (Renumerado do art. 71,  pela Lei nº 6.216, de 1975).

1º) os nomes, prenomes, nacionalidade, data e lugar do nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges;

2º) os nomes, prenomes, nacionalidade, data de nascimento ou de morte, domicílio e residência atual dos pais;

3º) os nomes e prenomes do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior, quando for o caso;

4°) a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento;

5º) a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro;

6º) os nomes, prenomes, nacionalidade, profissão, domicílio e residência atual das testemunhas;

7º) o regime de casamento, com declaração da data e do cartório em cujas notas foi tomada a escritura ante-nupcial, quando o regime não for o da comunhão ou o legal que sendo conhecido, será declarado expressamente;

8º) o nome, que passa a ter a mulher, em virtude do casamento;

9°) os nomes e as idades dos filhos havidos de matrimônio anterior ou legitimados pelo casamento.

10º) à margem do termo, a impressão digital do contraente que não souber assinar o nome.      (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).

Parágrafo único. As testemunhas serão, pelo menos, duas, não dispondo a lei de modo diverso.

 O QUE MUDOU EM RELAÇÃO AO ASSENTO DE CASAMENTO

 

 

“Art. 70.  ……

 

 

1º) os nomes, prenomes, nacionalidade, naturalidade, data de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges; (EM VEZ DE LOCAL DE NASCIMENTO, AGORA CONSTARÁ A NATURALIDADE)

……………………………………………………………..”

CONCLUSÃO

Em 27 de abril de 2017 foi publicada a Medida Provisória 776, de 26/04/2017 (MP 776/2017), que entrou em vigor na data da sua publicação.

A partir de 27/04/2017mudou o conceito de naturalidade no Brasil, tendo sido alterada a redação da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73. Agora, a naturalidade é uma opção do declarante, podendo ser o Município de residência da mãe, desde que localizado em território nacional, ou o Município onde ocorreu o nascimento, conforme art. 54, §4º da Lei 6.015/73, na redação dada pela mencionada MP[3].

Os modelos das certidões em resumo, que são as certidões expedidas em regra pelo Registro Civil, foram fixados pelo Provimento nº 3/CNJ. Até que sejam alterados os modelos, mesmo não mais sendo exigido que conste o local de nascimento, deve-se continuar constando tal dado na certidão de nascimento.

Sugere-se que, até que seja alterado o Provimento nº 3/CNJ, conste a naturalidade no campo observações da certidão, com o seguinte texto: “O declarante optou, conforme art. 54, § 4º, da LRP, por ser a criança natural do Município XXXX” (lembrando que pode-se escolher ou o Município do local do nascimento da criança ou o Município da residência da mãe da criança na data do nascimento,desde que localizado em território nacional).

*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e dos livros Função Notarial e de Registro e Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil. É professora e coordenadora da pós-graduação em Direito Notarial e Registral do Centro de Direito e Negócios – CEDIN.

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[1]”§ 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, cabendo a opção ao declarante no ato de registro do nascimento.” (grifamos)

Fonte: Arpen-BR