O direito ao exercí­cio da homoafetividade e o contrato de concivência

A história nos demonstra que a sociedade evolui no momento em que aceita a mudança. Para não irmos muito distantes do foco que nos conduz a estas linhas, dentro do mesmo contexto verificamos que foi assim com o Divórcio. Os casais precisavam se “aturar” eternamente porque nossa legislação não permitia o Divórcio, até 1977. O que mais transforma esse período em uma demonstração infame de preconceito contra a mulher é o fato de que apesar de o adultério até poucos meses atrás configurar crime, não era punido. O homem, insatisfeito com o casamento, buscava no adultério (e a sociedade fingia não enxergar) a satisfação para aceitar a inexistência do Divórcio na legislação. Nem vou aqui entrar na seara da pressão religiosa para que o divórcio ficasse longe das mentes brilhantes do legislativo. E deixemos mesmo o divórcio para outra análise, pois a própria Igreja Católica está empilhada de processos de nulidade de casamento. Se antes admitia uma ou duas causas para a declaração da nulidade, nem percamos tempo, agora, para contarmos quantas são aceitas atualmente.

Entretanto, em matéria de família (não propriamente direito de família, mas numa conjectura psicossocial, pois ainda teimam em não aceitar as uniões de pessoas do mesmo sexo na conceituação legal de família) a história se repete. Assim como a sociedade fechou os olhos para o divórcio por tanto tempo e agora quer apressá-lo, (lei 11.441/97 e em breve a eliminação do “empecilho” que é a separação¹) ignorou também a homossexualidade. Agora chega o momento de trazê-la à tona e “legalizá-la”. Mas ela já está legalizada; não só pela Constituição da República desde 1988, que traz inúmeros princípios como o da dignidade humana e da isonomia, como as demais garantias² como também está legalizada pelos movimentos sociais. Aprovar alguma lei dizendo que o Estado Brasileiro reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo para fins do que quer que seja é “chover no molhado”. A Constituição já o fez, assim como a legislação eleitoral e previdenciária. Regular alguns pontos para impor o respeito social, então sim; nessa terra de leis mortas e leis tortas precisamos, certamente.

O que pretendo deixar claro é que o reconhecimento social da existência de núcleos familiares formados por homossexuais é de suma importância, até mesmo para resguardar direitos de filhos heterossexuais (bom argumento para quem teima em não admitir este tipo de união, obviamente, desrespeitando a nossa Constituição).

Por fim, se respeitar essas pessoas é respeitar preceitos constitucionais, devemos, nós registradores e notários públicos, fazermos valer os direitos dessas pessoas através das provas que se formam ao lavrarmos atos que facilitem o exercício de sua cidadania (ex.: contrato de convivência)

Chega de hipocrisia e do Brasil de faz de conta. Eu faço de conta que aceito e você faz de conta que não percebe que o outro faz de conta que ninguém sabe de nada. “Ouvido de mercador”, já dizia a minha avó.

E como o mundo gira conforme a economia manda, e o mercado de roupas, de eventos e de turismo, entre outros, no segmento GLS está movimentando fortunas mundo afora, com certeza o Projeto de Lei nº 6874/06 (institui o contrato de união homoafetiva) será aprovado. Outra motivação é o tamanho do eleitorado. E não pode ocorrer de forma diversa, a não ser que a Constituição seja mesmo só uma fabula, na qual eu teimo em acreditar.

notas:

¹ A separação era o momento de avaliação do casal. Um período de reflexão que deveria ser trabalhado pelos advogados e em especial pelos magistrados, na busca da solução de conflitos, na tentativa de restabelecimento da união. Mas as audiências de separação se tornaram inóspitas, mecanizadas, sem qualquer argüição do magistrado no sentido de orientar as partes. Muitas das audiências sem a presença do representante do Ministério Público, que tem o mister de zelar pela família, principalmente quando ocorre a existência de menores.

² Está certo que a Constituição é um livro quase morto, natimorto em muitos pontos. Os primeiros artigos, as cláusulas pétreas, o art. 5º, art. 6º, art. 7º… que lindo poema. Fábula encantada. Encantou-nos a todos quando Ulisses chorou abraçado ao Livro. Por onde andam esses direitos? Não sabemos nem por onde anda Ulisses!!!

CONTRATO DE CONVIVÊNCIA OU DECLARAÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO?

As decisões judiciais que cercam as uniões homossexuais (ou homoafetivas) têm sido tranqüilas na seara do direito das obrigações, reconhecendo a sociedade de fato (art. 981, CC) e por conseqüência partilhando o patrimônio amealhado durante a convivência. Mas no momento da morte de um dos “sócios” surge a “família”, a mesma “família” que talvez tenha repugnado a existência de um “desviado” no seu seio. E esta “super família”, venerada por ter seu topo formado por heterossexuais, recolhe o patrimônio de terceiro: perdeu o vínculo de fato, por abandono afetivo e agora resolve chorar o sepultamento de seu ultraje e leva consigo as tralhas e migalhas que puder carregar, pouco importando se o viúvo ou viúva (“sócio”) ajudou a constituir. Se a família é boa, repassa os bens e pronto; a moral funciona com os bons. Mas a família arredia leva consigo, na proteção infame da lei e do julgamento materialista (direito material) uma ilegalidade: o enriquecimento sem causa. Chancelar este instituto, o qual é repugnado pelo Direito brasileiro, nos casos de uniões homoafetivas é contar a fábula da Constituição (já não é mais nem fábula, passa a ser anedota): ”sem distinção de raça, cor, orientação sexual”; “todos são iguais perante a lei”…

A união homoafetiva, enquanto não regulamentada por lei (apesar de já estar rreconhecida pela Carta, como antes dito) deve ter seus objetivos (que não são ilegais, pois não estão proibidos ou criminalizados) protegidos pelo Estado. Para o exercício desta proteção, surge o registro público como melhor opção de segurança, que por lei é ela um de seus princípios (Lei 8935/94, art. 1º e Lei 6015/73, art. 1º). Um contrato de convivência que não se fundamente no direito material de família e de sucessões, mas que os tome por analogia, pode sim ser registrado no Registro de Títulos e Documentos da residência dos conviventes. Como a lei regulamentadora ainda não existe, fica como fundamento do registro o art. 127, parágrafo único da Lei 6015/73. O registro residual vai além do preceituado no inciso VII do mesmo artigo. É esse o repositório dos documentos sem previsão para registro. É este o lugar para a guarda, conservação, autenticação de data e teor de docuemntos ainda não regulamentados. Por isso chamamos o RTD de “registro do futuro”.

Deixo estas minhas considerações para a avaliação dos colegas e aguardo suas ponderações.

Sem lenha o fogo apaga