A adoção do nome do cônjuge ou companheiro após a celebração da união
O nome civil, que hoje se ostenta em preceitos constitucionais, inclusive no conceito de dignidade da pessoa humana (CF 1º, III), tem seu histórico calcado na necessidade de identificação social e sua partícula, o prenome, da identificação no seio familiar. Sofreu, ao longo da história, em especial no panorama civil brasileiro, algumas influências necessárias de serem citadas. O matrimônio religioso, oficialmente reconhecido no século XIX, ante a “colaboração” da Igreja Católica no exercício do governo imperial, numa visão patriarcal de exercício de direitos que viajava os cinco continentes[1], impunha à mulher a adoção do nome de família de seu marido, pois a este deveria se subjugar, inclusive pela leitura bíblica que a isto impõe. Com o advento da norma de registro civil na era republicana, o Decreto 181/1890[2], fase esta que afastou a Igreja do poder de participação nas decisões sobre o destino civil da sociedade, permaneceu na legislação a questão patriarcal, por ser um costume social arraigado, o que se observa na leitura do Código Civil de 1916. Pois bem; este Código Civil apresenta no art. 240, parágrafo único o seguinte teor: “A mulher poderá acrescer aos seus os apelidos do marido”. A questão poderá – demonstra uma possibilidade que a sociedade, como antes dito patriarcal, certamente impunha severamente o uso, tal que se fizermos uma busca nos assentos civis de casamento, dificilmente encontrar-se-á casos em que a mulher não tenha adotado o uso do apelido de família de seu marido. No dizer de Ceneviva, “na tradição do direito brasileiro, a mulher, ao casar-se, era obrigada a acrescentar ao seu nome os apelidos de família do marido”. (2005:177)
Pois bem. Sem nos atentarmos às legislações registrárias não mais vigentes, façamos a análise do que temos no arcabouço válido para retirarmos as conclusões pertinentes ao objeto desta pesquisa. Temos a Lei de Registros Públicos (lei 6015/73) onde o art. 70[3] enuncia os requisitos do registro de casamento e no item 8º requer seja inscrito “o nome, que passa a ter a mulher, em virtude do casamento”.
Em face da igualdade de direitos entre homens e mulheres insculpida na Constituição de 1988, no inciso I do art. 5º, e art. 226, § 5º, passou-se a uma nova leitura deste item, admitindo-se que o homem também possa alterar o seu nome em virtude do casamento e ficou também admitido que a mulher não é obrigada a mudar o seu nome. Mas isso, olvide-se, a Lei 6015 não vedava.
Tome-se ainda por oportuna a citação do art. 57, § 2º da Lei Registrária, versando que
“A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá recorrer ao juízo competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas”. Este dispositivo foi fruto de reiteradas decisões das cortes brasileiras admitindo o uso, pela mulher, do nome de seu concubino. E nesta seara de elasticidade em autorizar-se o uso do nome além dos laços civis, o advento do código civil, em 2002, trouxe, com sua vigência a partir de 2003, uma amplitude maior de alterações. Consideremos, aqui, também as demais alterações no art. 57 citado e seguintes (alcunha, nome empresarial, lei de proteção às testemunhas). Citemos, então, o Código:
“Art. 1.565. (…) §1. º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.”
Com esta redação, sepultou-se a dúvida que alguns teimavam em tecer após 05 de outubro de 1988 (apesar de ter sido o nascedouro de outra controvérsia, a de formação do nome). Em relação ao nome, a título de ilustração, convém lembrar a Lei do Divórcio (lei 6515/77), arts. 17, 18 e 25 e Lei do Reconhecimento dos Filhos Havidos Fora do Casamento (Lei 8560/92) art. 3º, parágrafo único, ECA, Lei de Proteção às Testemunhas, etc.
Que a alteração de nome é autorizada por lei, não nos restou dúvida. Mas agora, cabe-nos analisar o momento em que a alteração, ou sua manifestação poderá ser efetuada. Se considerarmos o art. 70 da lei 6015/73, anterior a tantas mudanças, o momento da escolha para alteração do nome é o do processamento para a habilitação, pois o nome a ser utilizado será lançado no registro do casamento. Entretanto, o restante da legislação não impôs o momento para modificação do nome da mulher, e desde 1988, também do homem, como sendo unicamente no momento do casamento.. Inobstante, se a lei não impõe que se opte em determinado momento, como assim também não o faz o art. 70, também não veda que se faça após a sua realização. E lembro, como acima citado, que até mesmo as relações de fato dão o direito ao uso do nome do companheiro, sem mesmo afirmar que o momento da mudança no nome deva ocorrer no momento em que se inicia a relação.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vanguardista, em especial em matéria civil, no ano de 2006 julgou caso que perfeitamente se encaixa na temática do nosso estudo, citado no artigo de Peter. Senão, vejamos.
“Registro Civil. Pessoa natural. Retificação de registro. Pretensão de mulher casada que visa acrescer ao seu nome o patronímico do marido. Opção não efetuada no momento do casamento. Possibilidade. O matrimônio gera para ambos os contraentes um novo estado civil. Sendo autorizada a alteração do nome a fim de evidenciar a modificação desta condição. Inexistência de prazo legal para a alteração do nome em decorrência do casamento. Decadência ou prescrição que não se ostentam. Apelação provida. Apelação cível nº. 70014016869, Oitava Câmara Cível, Comarca de Canoas. Relator: Des. Luiz Ari Azambuja Ramos. 2006/Cível”. (2006)
Na leitura do teor do acórdão encontra-se o texto que delimita a decisão de autorizar agora, bem depois da realização do casamento, a alteração pretendida, quando enfatiza que é “uma escolha oponível a qualquer tempo, pois não encontra termo prescricional ou decadencial na norma legal”.
E não poderíamos esperar reconhecimento diverso do direito pretendido pelos apelantes, qual seja de adequação do nome em face da consolidação de uma situação civil em que o casal sentiu a necessidade de efetuar, diante de a norma ser permissiva num momento e não dispor de conteúdo proibitivo a posteriori.
Um julgado da nossa Corte Catarinense, em 2003, ou seja, no nascedouro da vigência do atual Código Civil, já demonstrava, em pedido inverso ao acima apontado, que pela simples ementa se encontra a permissão legal para alteração de nome, senão vejamos, transcrito aqui da obra de Dias:
‘Retificação de registro civil – Direito personalíssimo – Pretensão da esposa de excluir de seu nome o de seu marido – Permanência do vínculo conjugal – Razões de cunho profissional – Admissibilidade – Recurso provido (TJSC, 1ª. C.D.Civ., AC 2002.020666-6, rel. Des. Carlos Prudêncio, DJSC 02.06.2003)” (2006:117)
Ainda, cabe-nos ressaltar que tramita no Congresso Nacional, em fase inicial, o Estatuto das Famílias. Um Projeto de Lei, de nº 2285/2007 da Câmara dos Deputados, escrito por especialistas em Direito de Família e apresentado pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, em que o art. 53, parágrafo único prevê que “o cônjuge, querendo, pode adotar o sobrenome do outro, e a qualquer tempo, mesmo durante o casamento, alterá-lo, ressalvados os interesses de terceiros”. (grifei)
Podemos aqui lembrar o que nos traz Oliveira, que “o nome da pessoa natural constitui direito subjetivo absoluto” (5), portanto devem existir critérios de admissão para suas alterações. E segue mais adiante, tratando de hipóteses de alteração, dizendo que “valem as mesmas considerações para as demais hipóteses de alteração do nome civil da pessoa humana para que se retrate a realidade de sua identificação no meio familiar e social.” (12) (grifei)
Por derradeiro, enquanto o Projeto de Lei continua no Congresso Nacional, entendo que o pleito para alteração do nome após o casamento deverá ser realizado com base no art. 57 da Lei 6015/73, quando se tratar dos casos especificamente delineados. No caso da união estável, instruir-se-á a demanda com prévio reconhecimento da existência de união estável, utilizando-se do procedimento de jurisdição voluntária perante o juízo da vara dos registros públicos. Deve-se respeitar, em ambas as situações, o trâmite do art. 109 da lei registrária e os requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> . Acesso em 29 out. 2007.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2285/2007. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/517043.pdf> Acesso em 27 nov.2007
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3ª ed. São Paulo: RT, 2006.
FONSECA, Antonio Cezar Lima da. O nome dos cônjuges no novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 65, mai. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4026>. Acesso em: 27 nov. 2007
FRANÇA, Rubens Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: RT, 1975.
MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.
NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e legislação extravagante. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
OLIVEIRA, Euclides Benedito. Direito ao nome. Disponível em: http://www.euclidesdeoliveira.com.br. Material da 4ª aula da Disciplina Direito das Relações Sociais Aplicado ao Direito Notarial e Registral. Ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Notarial e Registral – UNISUL/REDE LFG.
PETER, PauloRoberto. O nome da mulher seguindo a atual concepção do Código Civil Brasileiro. Espaço Vital Virtual, Porto Alegre, abril 2006. Disponível em:
<http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=3231> Acesso em 27 nov.2007
SILVA, Ewerton Rodrigo Cardoso da. Introdução ao Estudo do Direito (O casamento no direito brasileiro). O Neófito, Taubaté, 2000. Disponível em <http://www.neofito.com.br/apost/apoutro.htm> Acesso em 27 nov. 2007
Reprodução autorizada, somente para uso profissional. Citações autorizadas para uso em geral.
* a autora é Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Içara/SC. Especialista em Direito Imobiliário (Univali) e em Metodologia e Didática do Ensino Superior (Unesc). Contato: oficial@cartorioicara.com.br
[1] Ocorreram muitas exceções na história geral, como após o final da república romana, em que se verificou na cultura germânica e céltica uma quase igualdade entre homens e mulheres no tratamento do matrimônio; esse modo de matrimônio foi levado pelos lombardos à Itália, onde se verificou tal paridade. (2000:6)
[2] O Art. 56, § 4º, dispôs ser um dos efeitos do casamento civil “conferir à mulher o direito de usar o nome de família do marido e gozar de todas as suas honras e direitos que, pela legislação brasileira, se possam comunicar a ela”. (1975:237)
[3] Ceneviva entende que o art. 70 (2005:175) restou revogado pelo art. 1536 do Código Civil, pensamento que não é compactuado por Nery Jr. (2005: 739), nem mesmo por Melo Jr. (2003:159)