A vida passa pelo cartório – Frank Wendel Chossani

A população do país, de acordo com dados de projeções e estimativas da população do Brasil e das unidades da Federação do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística[1], ultrapassou, no início do ano de 2015, a casa dos 203.664.000 (duzentos e três milhões seiscentos e sessenta e quatro mil).

Segundo a referida estimativa, a cada 19 (dezenove) segundos, nasce uma pessoa no território nacional.
Todos esses nascimentos, em regra, devem ser levados à registro, em atendimento a Lei dos Registros Públicos[2], que prevê que “todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro no cartório do lugar em que tiver ocorrido o parto, dentro de quinze (15) dias, ampliando-se até três (3) meses para os lugares distantes mais de trinta (30) quilômetros da sede do cartório”. (Art. 51).
O registro de nascimento é feito pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, razão pela qual “em cada sede municipal haverá no mínimo um registrador civil das pessoas naturais, e nos municípios de significativa extensão territorial, a juízo do respectivo Estado, cada sede distrital disporá no mínimo de um registrador civil das pessoas naturais” (art. 44 § 2º e § 3º – Lei 8.935/94).
A Interpretação ontológica permite a conclusão de que a intenção da lei é justamente dar conta de tamanha demanda.
Conforme o banco de dados do sistema de consulta “Justiça Aberta” do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, o total de cartórios no Brasil, com atribuição em Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), é de 7.614 (sete mil seiscentos e quatorze)[3], sendo que pouco mais de 1/3 (um terço) de tais cartórios está localizado na região Sudeste (2.672). Só o Estado de São Paulo possui atualmente 815 (oitocentos e quinze) unidades.
Os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais são incumbidos de muitos outros atos além da prática do registro de nascimento, como, a título de exemplos, o casamento, casamento religioso para efeitos civis, conversão de união estável em casamento, registro do óbito e natimorto, registro de união estável.
Reinaldo Velloso dos Santos, em sua primorosa obra, pronuncia que “o registro dos principais fatos na vida de uma pessoa é extremamente relevante para qualquer sociedade, pois propicia segurança quanto às informações constantes desses assentos”.[4] Tais registros tratam-se do objeto de trabalho do Registrador Civil das Pessoas Naturais.
Interessante situação é a que ocorre no Estado do Paraná, onde, a partir do primeiro semestre de 2015, os cartórios de registro civil poderão emitir carteira de identidade.
Sobre a emissão do RG pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, o presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), Rogério Portugal Bacellar, afirmou que “a nossa vocação natural é identificar as pessoas, por isso teremos condições de ampliar o acesso a esse documento. Além de ser um processo seguro, já que todos os notários e registradores têm fé pública e usarão este requisito para fornecer a carteira de identidade”[5].
Da mesma forma merece louvor a iniciativa da medida, pioneira no país, e já há algum tempo idealizada pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), relativa ao “Cartório Itinerante”, em que, visando facilitar o acesso à cidadania, leva, aos locais de difícil acesso e às regiões carentes de todo o estado, por meio de um microônibus personalizado, o serviço essencial de emissão de certidões de nascimento, casamento e óbito, além de informações sobre todos os demais atos praticados pelos oficiais[6].
Se a poesia ensina que “todo artista tem de ir aonde o povo está” [7], com Registro Civil das Pessoas Naturais não é diferente.
Tais iniciativas mencionadas estão em plena consonância com o estabelecido “Compromisso Nacional pela Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica”, instituído pelo Decreto nº 6.289, de 6 de dezembro de 2007[8], que constituiu o Comitê Gestor Nacional do Plano Social Registro Civil de Nascimento e Documentação Básica, muito embora, diga-se de passagem, a iniciativa da Arpen-SP, é anterior a edição do citado Decreto.
Assim, diante de um número tão expressivo de atos realizados pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, é de fácil compreensão a importância social de consagrado profissional.
Mas os acontecimentos que cercam a vida humana não envolvem apenas a atividade do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais; afinal, na sociedade contemporânea, quem, a título de exemplo, nunca adentrou num cartório de notas para reconhecer firma ou autenticar uma cópia, ou ao menos, para pedir informações? Sem falar, é claro, dos outros atos.
Pode até ser que exista, mas é inegável que tal possibilidade é cada vez mais remota.
Como se sabe, o notário realiza uma infinidade de atos relevantes, como escrituras de venda e compra de bens imóveis, doação, atas notariais, testamentos, inventários, procurações, divórcios, formação de cartas de sentença (no Estado de São Paulo – provimento CGJ – SP n° 31/2013), dentre outros.
A Lei nº 8.935, de 18 de novembro 1994, dispondo sobre os serviços notariais, estabelece no artigo 7º, que, aos tabeliães de notas compete com exclusividades: I – lavrar escrituras e procurações, públicas; II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III – lavrar atas notariais; IV – reconhecer firmas; V – autenticar cópias.
Não se pode olvidar que determinados atos, necessariamente dependem de escritura pública para ter validade, a exemplo do pacto antenupcial, haja vista que nos termos do Código Civil, é nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública (artigo 1.653). Da mesma forma ocorre com a emancipação, cessão de direitos hereditários, instituição de fundação etc.
O diploma privado prevê, no mesmo sentido, que “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País” (artigo 108).
O instrumento público será ainda da substância do ato, quando assim estipulado pelas partes no negócio jurídico (art. 109).
Walter Ceneviva, com o brilhantismo de sempre, ensina que “o serviço do tabelião se caracteriza, em seus aspectos principais, como o trabalho de compatibilizar com a lei a declaração desejada pelas partes nos negócios jurídicos de seu interesse”[9].
O notário é agente público, e por assim ser, visa a satisfação social; empregando todo o seu conhecimento e técnica para “dar vida jurídica” a vontade das partes; é fiel cumpridor da lei, e age insistentemente para extinguir a desigualdade, mitigando e prevenindo litígios, seja nas relações privadas ou sociais.
Sempre quando me deparo com o Salmos 34, ao observar, no versículo 14, as palavras de Davi, o grande rei e administrador de Israel, ao proclamar “afasta-te do mal e faze o bem; busca a paz e segue-a”[10], aplico, por liberdade, tal premissa ao universo notarial, pois ao que me consta, umas das primordiais atividades do notário, é esclarecer os usuários, na consecução de formalizar juridicamente a vontade das partes, para que se afastem do mal, orientando sobre a possibilidade e consequências jurídicas dos instrumentos desejados, e que procurem a paz, zelando sempre pela ética e boa conduta nas relações uns para com os outros, e para com a sociedade, e que permaneçam firmes e constantes em tal propósito; assegurando assim a justiça preventiva.
Tanto o notário, como o registrador exercem papel fundamental no zelo pelo paz social, e transmitem, além de outras coisas, segurança jurídica, não só para aqueles que efetivamente fazem uso do serviço, mas para toda nação. É para isso que os notários e registradores trabalham.
Se os notários são extremamente relevantes para o bom desenvolvimento das relações humanas, é imprescindível tratar também do registrador imobiliário, considerando que o Registro de Imóveis é, por força de lei, o repositório de informações sobre as situações jurídicas relativas a bens imóveis.
A Constituição Federal consagra entre os direitos sociais, o direito a “moradia”, o que nos leva a entender que tal direito faz parte daqueles constantes do piso vital mínimo, ou seja, daqueles direitos essenciais e imprescindíveis à sadia qualidade de vida.
Embora considerado número de bens imóveis seja utilizado para fins diversos, grande parte deles ainda é vinculado ao fim específico da moradia, e independente de sua finalidade, dever ter suas informações depositadas no Registro de Imóveis, pois o sistema registral fornece a publicidade de todas as informações essenciais concernentes à propriedade imóvel, transmitindo segurança jurídica, não só para os particulares, mas para toda a sociedade, pois estabelece de maneira segura a situação jurídica de cada imóvel.
 Assim, em cada local do vasto território nacional, por mais longínquo que seja, é possível verificar direitos que demandam a atividade do Oficial de Registro de Imóveis, pois a propriedade imobiliária ali está presente.
O tráfego imobiliário, consequência da circulação de riqueza, é comum, e sabe-se que pelo registro são constituídos, modificados, e extintos os direitos reais sobre imóveis, razão esta pela qual o registrador imobiliário deve, sob o enfoque da segurança jurídica, ser consultado previamente pelas partes, diante de toda e qualquer transação que tenha por objeto direitos relacionados a bens imóveis.
A vida passa ainda pelo Tabelionato de Protestos, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, Registro de Títulos e Documentos; em suma, a vida passa pelo(s) cartório(s).
De maneira exuberante, Felipe Leonardo Rodrigues e Paulo Roberto Gaiger Ferreira, ensinam que “A filosofia do direito, por meio da teoria da justiça reguladora, sustenta a necessidade de o Estado deter uma função que se dedique a aplicação do direito para os fins da normalidade. O fulcro dessa teoria é a necessidade social de dar ao direito uma atuação que facilite a sua evolução natural e normal.
Para tanto, o Estado tem de dispor de uma função diferente da judicial, destinada à conservação, ao reconhecimento e à garantia do direito em estado normal: a função notarial”[11].
O extrajudicial caracteriza-se por um setor de eficiência manifesta, e tudo o que é feito, é feito justamente visando o bem comum e a ordem estatal, refletindo em autenticidade, segurança, eficiência, excelência e regozijo com a verdade; a vida humana tem a devida atenção que merece.
Mas por fim, depois de cumpridos todos os estágios da vida, “a existência da pessoa natural termina com a morte” (artigo 6º – Código Civil), momento em que novamente o “cartório” está presente, pois “nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte” (artigo 77 – Lei nº 6.015/73). E, caso não seja possível o registro do óbito dentro de 24 (vinte e quatro) horas do falecimento, pela distância ou qualquer outro motivo relevante, o assento será lavrado depois, com a maior urgência (artigo 78 – Lei nº 6.015/73)
Assim, em que pese o título deste singelo artigo – “a vida passa pelo cartório” – não se pode desconsiderar que a morte também tem o seu ingresso.
De todo o exposto se extrai que, de fato a vida passa pelo cartório, mas a morte também; e por assim ser, o extrajudicial (leia-se notários e registradores) é um fiel amigo de todas as horas, seja na vida, ou, seja na morte.

Fonte: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NTEyMQ==