Registrador x Despachante

07/07/2011 – por Cristina Castelan Minatto *

Tanto o Direito Notarial como o Direito Registral têm como objetivo principal a segurança jurídica. Este é um princípio decorrente de um sobreprincípio denominado certeza do direito, e com este não se confunde. Significa o valor de previsibilidade que preside axiologicamente o ordenamento jurídico constitucional e seus subsistemas.

A importância da busca no ato do registrador está ligada ao efeito (resultado) que se quer produzir e a finalidade, que é o fim em si mesmo, a razão de ser, o objetivo. Senão, vejamos:

A regra domiciliada no art. 1º da Lei 8.935/94 define como fins dos serviços notariais e registrais “garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73, como se vê editada anteriormente à Lei dos Registradores), também no art. 1º, dispõe que os serviços concernentes aos registros públicos são estabelecidos pela legislação civil para “autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”, tratando em seus arts. 16 a 21 da publicidade; sendo esta, portanto, outra finalidade alcançada com o uso do registro público, como bem veio elencada na Lei 8935 antes citada.

O art. 5º da Lei 8.935 define quais são os titulares de serviços notariais e registrais, a lembrar: I- tabeliães de notas (atribuições e competências definidas nos arts. 6º e 7º da Lei 8.935, ou seja: o Tabelião de Notas ocupa-se, basicamente e com exclusividade, em lavrar escrituras, procurações e testamentos públicos, reconhecer firmas e autenticar cópias. II- tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos (competência definida no art. 10 da Lei 8.935, devendo suas atribuições específicas serem buscadas nos princípios gerais da legislação comercial, por tratarem de negócios relacionados com o comércio marítimo). III- tabeliães de protesto de títulos (competência definida no art. 11 da Lei 8.935, estando os serviços de protesto de títulos e outros documentos de dívida regulamentados pela Lei 9.492). IV- oficiais de registro de imóveis (praticam os atos previstos a partir do art. 167 da Lei 6.015 – Lei de Registros Públicos – e em outros diplomas aplicáveis ao registro imobiliário); ou seja, basicamente, cabe ao Oficial do Registro de Imóveis o cadastro da propriedade imobiliária, o registro e a averbação de todas as mudanças referentes ao imóvel. V- oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas (praticam os atos previstos na Lei 6.015) Ao Oficial de RTD compete os atos previstos nos artigos 127 e 129 da Lei de Registros Públicos e é de se ressaltar que o Serviço de RTD é repositório universal, pois a transcrição de títulos e documentos de qualquer natureza, não atribuídos expressamente a outro Ofício, e a averbação de qualquer ocorrência que a altere são feitas no Ofício de Registro de Títulos e Documentos. Ao Oficial de Registro Civil de Pessoas Jurídicas compete os registros previstos no art. 114 da Lei de Registros Públicos que deve ser observada a partir da leitura do art. 44 do Código Civil, com sua lista de onde se retira, basicamente, apenas as sociedades anônimas e empresariais; VI- oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas (praticam os atos previstos no art. 29 da Lei 6.015); VII- oficiais de registro de distribuição (competência definida no art. 13 da Lei 8.935 – proceder à distribuição eqüitativa pelos serviços da mesma natureza).

Pincemos desse elenco acima a atribuição do Registrador de Títulos e Documentos. Lembremos de que a atribuição que lhe aparece anexa na lista do artigo citado, a de Registrador Civil de Pessoas jurídicas, é diversa da que lhe é própria, portanto não cometamos confusão nas atribuições; pelo menos não nós registradores.

O que se busca no Registro de um título ou documento é a proteção de um meio de prova, ou seja, do próprio título ou documento, que é o meio de prova que dará ensejo à proteção de eventual direito ou obrigação. A solenidade do registro pode não ser da essência do ato ou fato pretendido provar. E, o que se pretende registrar, tanto pode ser seu conteúdo para alcançar os efeitos decorrentes de sua publicidade, seja para adquirir autenticidade, ou mesmo para mera conservação ou prova de data.

O serviço de títulos e documentos se presta àquela proteção e, ainda, numa atribuição paralela, fugindo dos efeitos acima elencados, a de entrega de documento. Nesta situação o legislador aproveitou a atribuição do registro do documento com a entrega certa, baseada na fé pública do registrador, quando lhe impôs a notificar do registro ou da averbação os interessados que figuram no título, documento ou papel apresentado, ou a qualquer terceiro que lhe seja indicado pelo interessado. Este é o serviço de notificação extrajudicial. Por tal processo podem também ser feitos avisos, denúncias e notificações, quando não for exigida intervenção judicial.

Relevante atribuição das serventias de títulos e documentos, as notificações em foco têm efeito premonitório ou cautelar, e o documento deve ser registrado na íntegra.

A previsão dessa atribuição de entrega de documentos, a qual refoge à atribuição principal e específica do Registrador de Títulos e Documentos, quando se busca seus efeitos nos termos acima elencados, está prevista no art. 160 da Lei 6015/73. O dispositivo legal ainda especifica que o registrador poderá remeter ao seu colega de idêntica atribuição em Município ou Comarca diversa (ou outra divisão extrajudiciária), o documento que registrou, para que naquele local seja feita a entrega.

Diante de todo o exposto, conclui-se que o Registrador de Títulos e Documentos tem a sua típica atribuição de registrar e averbar os documentos, títulos e papéis que lhe são apresentados, para que se alcancem os efeitos específicos para validade e publicidade do que neles estiver exposto; e, numa atribuição atípica, servir de entregador de documentos que lhe são confiados, para que se prove que alguém indubitavelmente recebeu a informação exposta no documento. No primeiro caso o que se almeja é o efeito jurídico amplo, mesmo que no campo da publicidade erga omnes; no segundo é a prova da entrega pelo viés da fé pública do registrador. No primeiro a publicidade registral basta ao interessado; no segundo o que se busca é a publicidade a pessoa certa, pois o que interessa é que determinada pessoa tenha conhecimento do teor do registro.

Assim, não dispondo a Lei de qualquer outra atribuição dirigida ao Registrador de Títulos e Documentos, encontramos apenas o que lhe é típico e essa atipicidade das notificações, o que inclui a remessa para que outro colega cumpra, em respeito aos limites territoriais de sua competência. Em objetivas palavras o Registrador de Títulos e Documentos de determinada Comarca não é Registrador de Títulos e Documentos na Comarca vizinha.

Essa função notificadora deve ser observada sob o ângulo da territorialidade, nesta questão de competência a que nos reportamos. Portanto, o registrador que recebe a incumbência de registrar um documento e remetê-lo para cumprimento em local diverso da sua competência, no caso específico estará obrigado a apenas atuar dentro da sua atribuição típica de registrador, deixando ao colega destinatário o cumprimento da atribuição atípica de notificar; mormente este ter o dever de replicar o registro para poder lançar o cumprimento da função atípica (art. 160 §1º da lei 6015/73).

Atuando apenas como registrador, ele deve cingir-se aos mandamentos e procedimentos que lhe sejam pertinentes, ou seja, recepcionar o documento protocolando-o e registrando-o e, em seguida remeter ao colega para o cumprimento da solicitação na forma do art. 160 da lei registrária. A remessa a colega de outra circunscrição é medida excepcional, pois na busca do resultado, da agilidade, o interessado no procedimento notificatório irá remeter o documento diretamente ao registrador-notificador, pois geralmente as questões envolvem celeridade. O procedimento em se utilizar os serviços do registrador para remessa de notificação a outra circunscrição, geralmente absorve a necessidade de cumprimento de prazo, o que se comprova com a protocolização da notificação. Aí, um dos motivos que justifica o interesse do notificante a apresentar uma notificação extrajudicial para registrador diverso do local da notificação e este aceitá-la. Outra questão que pode se considerar seria a comodidade do interessado, deixando por responsabilidade do registrador local os cuidados na remessa e pagamento ao registrador-notificador. Uma terceira hipótese, excepcional e que deve ser justificada pelo interessado é a possibilidade do notificante estar em trânsito e necessitar do serviço com o fito de comprovar o cumprimento de prazo. Fora esses motivos não vislumbro qualquer outro que justifique o uso dos serviços prestados pelo registrador local, em que o interessado se encontra, para que este sirva de despachante.

Aqui iniciamos dois pontos da nossa análise: a questão da territorialidade no registro das notificações extrajudiciais e a atribuição anômala de despachante que alguns registradores de títulos e documentos delegam a si mesmos, com a colaboração de empresas ou profissionais que possuem grande volume de notificações a serem cumpridas, seja como notificantes ou profissionais que prestam serviços a estes.

A territorialidade nas notificações. Não vamos cogitar aqui o que muito se tem discutido sobre territorialidade, que apesar da decisão do Conselho Nacional de Justiça de que a territorialidade no cumprimento das notificações extrajudiciais deve ser respeitada, ou seja, que seja efetuada a notificação pelo oficial registrador que atua na respectiva circunscrição, decisões reiteradas, inclusive do STJ têm ora seguido esse entendimento do CNJ, ora desconsiderando-a para um ou todos os casos. Utiliza-se também como argumento de desconsideração da territorialidade a redação do art. 12 da Lei 8935/94 que restringiu apenas aos registradores civis das pessoas naturais e aos registradores de imóveis a prática de atos dentro da circunscrição a que as atribuições lhes foram delegados. Falemos aqui sobre a territorialidade no registro da notificação, ou seja, o respeito à competência para o registro das notificações extrajudiciais. O art. 130 da Lei 6015/73 define que os documentos listados nos arts. 127 e 129 deverão ser registrados no domicílio das partes para eficácia de prazo e lugar de registro. Assim, não estando listada a notificação extrajudicial expressamente como forma citada no art. 127 ou 129, (ou mesmo no 128), muito entende-se que ela não estaria sujeita à territorialidade, seja na registrabilidade ou mesmo para o ato notificatório. Mas por bem da boa doutrina e em respeito à segurança registral, objetivo que não se discute, e, mais além, pelo respeito à instituição do registro público e, aqui, à atribuição do Registrador de Títulos e Documentos, compreenda-se, por fim, que as listas de documentos expressos nos artigos citados são listas exemplificativas. Não fosse isso, o próprio art. 127 não traria em seu parágrafo único o aporte de todo e qualquer documento que não tenha repouso definido para qualquer especialidade registral. Não havendo previsão de registrabilidade em qualquer Serventia, por obviedade na leitura daquele parágrafo único, a residualidade no Registro de Títulos e Documentos absorverá o registro do documento. Então, qualquer documento apresentado para registro e conseqüente notificação deverá obedecer, sim, a regra da territorialidade, ou melhor, da competência para o registro. Caberá, assim, ao registrador da residência do notificante ou da residência do notificado o registro do ato notificatório. Mas lembro que só ao segundo caberá o dever de notificar.

O Registrador-despachante. Com o propósito de agilizar o resultado das notificações, os interessados nelas, sejam os próprios notificantes como aqueles que se responsabilizam por obter o resultado dos anseios daqueles, geralmente a cobrança de uma dívida, firmam com registradores de títulos e documentos um acordo verbal para que estes recepcionem todas as notificações que o acordante lhes envie, e proceda à distribuição aos colegas dos lugares onde se encontram os notificandos. A recepção de documentos em quantidade pelos registradores, nesses termos, configura uma anomalia à atribuição típica e mesmo atípica desses profissionais. Não há previsão legal de prestação de serviço, pelo Oficial Registrador de Títulos e Documentos, de distribuição de notificações, inclusive, a própria distribuição a ser efetuada por Oficial Distribuidor (art. 13 da Lei 8935/94), outra especialidade, está dispensada ao Registro de Títulos e Documentos pelo disposto no art. 131 da Lei de Registros Públicos. Na leitura do art. 13 da Lei 8.935, são atribuições privativas dos oficiais de registro de distribuição proceder à distribuição equitativa pelos serviços da mesma natureza, quando previamente exigida, registrando os atos praticados. Na situação aventada de o Registrador de Títulos e Documentos recepcionar lotes de notificações para distribuí-las aos colegas de circunscrições diversas, para cumprimento, se não configurar apropriação anômala da atribuição delegada e privativa dos Oficiais Distribuidores (anômala porque não ocorre atualmente a exigência de prévia distribuição de documentos destinados aos Registros de Títulos e Documentos, conforme de verifica na leitura do art. 131 da Lei 6015/73) , pode configurar então, serviço de Despachante de documentos. E, se adentrarmos na questão, ao Registrador não incumbe tal função ou exercício de outra profissão, ainda mais dentro da Serventia e utilizando-se do serviço que lhe foi delegado para a captação de recursos em proveito próprio.

Os dois pontos levantados, seja a questão de competência para registro dos documentos para notificações em circunscrições diversas do local de registro ou sua distribuição, devem ser vislumbrados como questões que podem ser realizadas sem interdependência, pois a configuração de ambas em mesma atuação do registrador representará, na minha concepção de ética e legalidade, duas (e não uma) falhas funcionais.

* A autora:Cristina Castelan Minatto – Oficial Registradora de Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Içara/SC

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