Divórcio por liminar- Liberar as partes para realização da felicidade afetiva. Com esse entendimento, a Justiça baiana decretou, em julho de 2014, o divórcio de um casal com o consentimento de apenas um dos cônjuges.
De acordo com o juiz sentenciante, Alberto Raimundo Gomes Santos, presidente do IBDFAM/BA, não há impedimento para realização do divórcio, com o consentimento de apenas uma das partes, especialmente após a Emenda Constitucional nº 66, promulgada em 2010 e de autoria do IBDFAM, que extinguiu a discussão de culpa do processo de divórcio e suprimiu o instituto da separação judicial. “Não havendo possibilidade de reversão do decreto do divórcio, bem como a inexistência de qualquer prejuízo para a parte Ré, visto que não há necessidade de se discutir nos dias atuais a culpa, não há fundamento para ser estabelecido o contraditório para a concessão do divórcio e, por consequência, não há impedimento para realização da vontade de uma das partes, especialmente após o advento da Emenda Constitucional nº 66/10”, disse.
Para o advogado Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, a decisão representa a consagração da liberdade e dignidade da pessoa humana. “Esta decisão do ilustre juiz Alberto Raimundo Gomes dos Santos é uma singular evolução do divórcio unilateral existente no Uruguai, pelo qual era viável a mulher requerer unilateralmente seu divórcio, sem a presença ou concordância do marido, guardadas algumas peculiaridades que dificultavam a efetividade desta prestação jurisdicional. Por conta disto, reputo a concessão unilateral do divórcio como a consagração da liberdade e dignidade da pessoa humana, cujos vínculos afetivos ficam presos apenas à vontade pessoal, naquele clássico ditado de que ‘quando um não quer dois não fazem’. Casamento é o resumo desta situação, uma coisa de dois, tanto para constituir como para desfazer, pois só há matrimônio se houver comunhão plena (conjunta) de vida, e sua dissolução pode e deve ser conforme a vontade individual, devendo ser decretada de ofício e em caráter liminar, como parte plenamente destacável da sentença (sentença em capítulos), relegando para discussão processual os outros efeitos da dissolução do casamento”, disse.
União estável paralela ao casamento- Em decisão inédita naquele estado, a Justiça do Maranhão reconheceu como união estável um relacionamento paralelo ao casamento. O desembargador relator Lourival Serejo, vice-presidente do IBDFAM/MA, considerou que o relacionamento preenchia todos os requisitos necessários para configurar a união estável. A mulher ganhou o direito de participar da partilha dos bens do companheiro falecido.
Serejo considera o tema um dos mais desafiadores no cenário atual do Direito de Família. Em seu voto, o desembargador afirmou que a família tem passado por um período de acentuada evolução, com diversos modos de constituir-se, longe dos paradigmas antigos marcados pelo patriarcalismo e pela exclusividade do casamento como forma de sua constituição. “Entre as novas formas de famílias hoje existentes despontam-se as famílias paralelas. Se a lei lhes nega proteção, a Justiça não pode ficar alheia aos seus clamores. O enunciado normativo não encerra, em si, a Justiça que se busca. Não se pode deixar ao desamparo uma família que se forma ao longo de muitos anos, principalmente existindo filhos”, assinala.
O vice-presidente do IBDFAM/MA explica que a doutrina e a jurisprudência favoráveis ao reconhecimento das famílias paralelas como entidades familiares são ainda tímidas, mas suficientes para mostrar que a força da realidade social não deve ser desconhecida quando se trata de praticar Justiça. Para ele, embora amenizado nos dias atuais, o preconceito existente dificulta o reconhecimento da família paralela.
Para Giselda Hironaka, diretora nacional e presidente da Comissão Científica do IBDFAM, a legislação tem se mostrado incapaz de acompanhar a evolução, a velocidade e a complexidade dos mais diversos modelos de núcleo familiar, que se apresentam como verdadeiras entidades familiares. Contudo, afirma Giselda, esta inércia do Poder Legislativo tem sido oposta a um “proficiente” ativismo do Poder Judiciário cuja atuação eficiente tem estabelecido o liame imprescindível entre as expectativas sociais e o ordenamento jurídico, principalmente para garantir a dignidade dos membros de tais arranjos familiares e o alcance da justiça. Mas, conforme explica Hironaka, o reconhecimento de outros arranjos como entidades familiares não tem ocorrido com facilidade, sequer rapidez.Como a união estável, que demorou quase seis décadas de avanços jurisprudenciais para que conseguisse – só então – a chancela legislativa, com a Carta Constitucional de 1988 e, depois, com as duas leis da década de 1990, que regulamentaram a união estável e os efeitos sucessórios.
“No que diz respeito, propriamente, aos modelos familiares de conjugalidades concomitantes, isto é, as famílias conjugais (casamento/união estável ou união estável/união estável) paralelas ou simultâneas, o assunto tem caminhado a passos duros e lentos, com a maioria dos julgados não reconhecendo a possibilidade de tutela concomitante. Mas, aqui e ali – como acontece agora, corajosamente, com este especial julgado do TJMA, da lavra do Desembargador Lourival Serejo – já se apresentam decisões que têm chancelado a possibilidade de reconhecimento. Julgados assim, quer dizer, julgados a favor do reconhecimento e tutela das situações marcadas pela simultaneidade conjugal, produzem, mesmo que de forma ainda incipiente, o alento da conformação da justiça, segundo o meu sentir e expectativa”, reflete.
Um registro, vários parentes- Quantos parentes uma pessoa pode ter no registro denascimento? Bom, isso depende.No Acre, por exemplo, uma menorconseguiu na Justiça o direito de ter o nome dos dois pais em sua certidão de nascimento: o que a registrou e o biológico. O acordo de reconhecimento de paternidade foi solicitado pelo pai biológico, o pai registral, a mãe e a menina; assim, ela terá nove parentes no seu registro de nascimento, incluindo os avós paternos, maternos e sociafetivos.
Em 2014, Tribunais de todo o país reconheceram a tese da multiparentalidade, que tem como primado básico o princípio da afetividade. Para o advogado e professor Christiano Cassettari, diretor do IBDFAM-SP, o reconhecimento da multiparentalidade na jurisprudência brasileira atende aos anseios da sociedade, já que o fenômeno dos filhos de criação é antigo.
“O divórcio e o rearranjo familiar contribuiu para que muitas crianças e adolescentes fossem criados por padrastos e madrastas, ou que tivessem contato maior com eles do que com seus pais biológicos. A prevalência da parentalidadesocioafetiva sobre a biológica não é uma regra absoluta, pois em certos casos elas devem coexistir, criando a multiparentalidade. Ela apenas confere juridicidade a um fato social que já existe, e ocorre há tempos, para conceder os necessários efeitos jurídicos, decorrente do parentesco. Negar isso é fechar os olhos para o que é certo, e para princípios importantíssimos do Direito, tais como o do melhor interesse da criança e do adolescente. E quando o Direito fecha os olhos para a sociedade, esta o ignora”, observa.
Fonte: Cartório Içara