A publicidade relativa em registro de Títulos e Documentos
Publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Eis a receita da segurança jurídica.
Publicidade é ato de dar conhecimento. Não é o registro público um acervo acessível a todos do povo, mas de informações acessíveis a todos sim. E lá está o registrador ou tabelião para assegurar esta publicidade, através de suas certidões e traslados. Somente ele tem acesso a tudo do acervo que lhe foi confiado guardar e produzir. E observará as restrições à publicidade.
Autenticidade é ato de autoridade, emanada com presunção de verdade de existência do ato, não atingindo, entretanto, o objeto veiculado no corpo do documento.
Segurança é conseqüência do exercício da boa fé emanada através dos registros, em decorrência da autenticidade e publicidade. Tem-se a certeza de que o ato está livre de riscos, uma vez respeitadas as normas para a formalidade do mesmo, normas estas que cabe ao agente público zelar.
Eficácia é questão jurídica. Conclui-se que o ato notarial ou registral está perfeito para produzir os efeitos jurídicos pretendidos, que dele se espera.
As buscas dos princípios aliadas à moral e à ética do registrador certamente trarão à sociedade – que lhe entregou a confiança a partir da delegação da prática dos atos pelo Estado, impondo-lhe dar a fé pública, que é inerente a esta condição – a segurança jurídica que emana da certeza de equilíbrio social.
Vejamos, então, o princípio da publicidade e verifiquemos como podemos alcançá-lo no repositório de Títulos e Documentos.
O nome Registro Público sugere que observemos a finalidade de guarda do que deve ser conhecido. A palavra registrar tem origem no Latim medieval REGISTRUM, alteração de REGESTA, “coisas gravadas, lista”, de REGESTUS, particípio passado de REGERERE, “anotar, registrar”, literalmente “gravar”, de RE-, “de novo”, + GERERE, “levar, carregar”. E o termo público é a 1ª pessoa do Presente do Indicativo do verbo “publicar”, que deriva do Latim PUBLICARE, “tornar público”, de PUBLICUS, “relativo ao povo”, de POPULUS, “povo”. Se o Registro Público como fólio, acervo, é o local onde se anota, como forma de guardar alguma informação para que ela se torne pública, precisamos ter certeza, como registradores, de que a informação, efetivamente ficou disponibilizada a todos. A Lei de Registros Públicos tratou de regrar a forma como publicizar (tornarem públicas) as informações que são assentadas pelas diversas especialidades. Em poucas notas, observemos que a Lei define nos seus artigos, destacadamente, o que se registra em cada especialidade, (Lei 6015/73, arts. 29, 114, 127, 129 e 167) tomando como exemplo para cada uma delas: no registro civil de pessoas naturais o nascimento; no registro civil das pessoas jurídicas as associações; no registro de títulos e documentos as cartas de fiança; e no registro de imóveis as matrículas dos imóveis. Pois bem. Como verificar se a publicidade existe? Num primeiro aspecto, diríamos que buscaríamos os atos citados nos respectivos acervos, conforme exemplificados acima. Entretanto, temos a questão da circunscrição. Assim, o nascimento será registrado no local de nascimento ou local de residência dos pais, o que me remete a buscar em um ou noutro acervo de registro civil a prova da existência de determinado registro; a associação no local de sua sede, então terei apenas um local para a busca; a carta de fiança no registro de títulos e documentos do domicílio do emitente e do favorecido; e o imóvel no registro de imóveis do local onde se encontra. A Lei de Registros Públicos rege perfeitamente as competências para lançamento das informações nos respectivos acervos, obviamente, para que a publicidade seja alcançada, pois é objetivo impar do Registro Público.
Voltemos ao Registro de Títulos e Documentos. Por força do art. 130 da Lei Registrária os registros que ela menciona deverão ser registrados no domicílio das partes. E a lista é exemplificativa, em face da residualidade prevista no art. 127, parágrafo único, que remete ao Registro de Titulos e Documentos todo e qualquer documento não destinado a outra serventia. Vejamos o art. 130:
Art. 130. Dentro do prazo de vinte dias da data da sua assinatura pelas partes, todos os atos enumerados nos arts. 128 e 129, serão registrados no domicílio das partes contratantes e, quando residam estas em circunscrições territoriais diversas, far-se-á o registro em todas elas. (lembremos que por erro de renumeração dos arts da lei, na sua versão original, pela Lei 6216/75, os registros estão nos arts. 127 e 129)
Além do prazo para registro, que dá ao seu interessado o direito de lhe requerer efeitos buscados retroativamente à confecção do documento, se em prazo menor do que 20 dias, ou a partir do registro, se o prazo foi excedido, verificamos aqui a competência do registro daqueles atos (quaisquer, lembremos) inscritíveis em Títulos e Documentos; e mais, o que muito nos interessa: a norma de alcance da publicidade específica em Títulos e Documentos.
Este art. 130 tem sido sempre estudado como a norma que estipula prazo para registro para fins de efeitos. Apesar deste aspecto, o qual, infelizmente, tem sido ignorado pelos operadores do direito, o art. 130 tem outra informação muito mais relevante a ser observada, qual seja, a publicidade relativa ou absoluta em decorrência do seu cumprimento.
E o cumprimento aqui deve, antes de ser avaliado pelo interessado, ser considerado pelo registrador, que tem o condão de guardar a lei e buscar os objetivos do registro público na prática dos seus atos, para o alcance da eficácia, segurança e, acima de tudo, pela publicidade estampada na norma.
Como bem assevera Dip:
“Em que pese a subsis¬tência de alguma contro¬vérsia doutrinária, pode asseverar-se que os registros tipicamente pessoais e reais visam à publicidade de si¬tuações jurídicas, mediante a inscrição de fatos jurídi¬cos. Em outros termos, esses fatos configuram o objetivo da inscrição, ao passo que a situação jurídica é o ob¬jeto de sua publicidade, o que se almeja dar a conhe¬cer. Diversamente, no regis¬tro de títulos e documentos o objeto da publicidade é, com prevalência, o fato ju¬rídico.”
Não haveria, portanto, razão para o registro de um nascimento no lugar de nascimento e também no lugar de residência dos pais, caso fossem diversos. Pelo contrário, o duplo registro causaria a insegurança jurídica. Da mesma forma não há que se cogitar em matrícula de imóvel em dois locais. Mas a regra do duplo registro existe no Registro de Títulos e Documentos e não é mero capricho do legislador ou descuido por normatizar incoerências ou algo desnecessário. A Lei de Registros Públicos desenvolve-se a partir do seu art. 1º, quando define os princípios que regem todo o plexo de normas registrarias e a atuação de seus personagens, nos mesmos termos em que firma os objetivos registrários na Lei 8935/94, também no seu art. 1º. Repete-se na Lei de Registros Públicos Mercantis e nas normas do Notariado.
Fixar a competência para a prática de atos registrais indicando o local é um dos pontos a dirigir-se para a segurança, pois não há dúvidas do local onde estará publicizado.
O dispositivo em comento informa claramente que na hipótese de domicílio diverso dos contratantes o local de registro dos Títulos e Documentos está sob responsabilidade e competência de ambos, ou mais, registradores, e não de um só. Há a necessidade de ser publicizado em mais de um local. A norma não é absurda, pois podemos analisá-la a partir da avaliação de um negócio jurídico estabelecido entre duas partes, como um contrato de financiamento de equipamento, por exemplo, em que o devedor entrega como garantia seu único bem.
Temos um contrato em que as partes estão domiciliadas em Comarcas diversas. Chamemos de Pessoa A e Pessoa B, sem entrarmos no detalhe de serem pessoas físicas ou jurídicas. O ato jurídico, representado por um instrumento contratual é levado a registro por A, credor, no seu domicílio. No domicilio de B não é dada a devida publicidade do negócio avençado. Posteriormente, B faz negócio idêntico com C, que reside na mesma Comarca de B. Muito cauteloso, de boa fé, C solicita busca no acervo de Títulos e Documentos local e, de posse de uma certidão negativa de registros, “assegura-se” de que B não contratou com outrem negócio que pudesse prejudicar seu acordo.
Sabemos que, independentemente do registro, no campo do direito das obrigações civis, haveria o direito de C pleitear a obrigatoriedade de cumprimento do avençado com B, inclusive indenização, etc. Mas, poderia A alegar que o direito dele sobre a garantia é oponível a terceiros por ter dado publicidade parcial? Se A procurou o registro para lhe garantir autenticidade e conservação e publicidade de ato em seu nome, conseguiu. Aí, garantiu a publicidade relativa a um negócio em seu nome com terceira pessoa, independente de quem seja; mas o registro que fez não obteve publicidade erga omnes, ou pelo menos não em relação a C. Não há folio real em RTD. O controle é pessoal. E a publicidade surge, em RTD, com o registro no domicílio das partes. Não há como alguém adivinhar que um residente em Brasília contratou com alguém no Chuí, se em Brasília, no indicador pessoal, não constar tal informação no nome do residente de Brasília.
A regra do art. 130 da Lei 6015 não é facultativa “num OU noutro local”; ela é imperativa, pois afirma que: “serão registrados no domicílio das partes contratantes e, quando residam estas em circunscrições territoriais diversas, far-se-á o registro em todas elas.”
Então, temos que há um ônus a ser suportado por quem busca o registro. Se não fizer registro algum, o ônus é o risco de não ter feito prova de um ato jurídico; se fizer registro somente no seu domicílio, alcança uma publicidade relativa, a qual deve ser suportada com o ônus de não ver seu possível direito reconhecido, apesar de alguém ter contratado posteriormente, mas ter se resguardado com o registro no local apropriado. Se fizer os dois registros, o ônus é o custo, do duplo registro, mas é o valor do seguro, da certeza de que a prova é oponível a todos, indiscriminadamente.
Ao contrário, se registrado apenas no domicílio do devedor, não haveria publicidade de possível contraprestação do credor. Se uma outra pessoa, que aqui denominamos D, quer contratar com A qualquer avença e quer verificar idoneidade deste, pode buscar no registro de contratos de A com outras partes a boa fé no cumprimento de obrigações. No Registro de Títulos e Documentos do domicilio de A, verificará os registros em nome deste. Seria uma situação positiva, como um cadastro do SPC. Compra a crédito e não está no SPC, então é uma pessoa cumpridora de suas obrigações, será bom negociar.
Nesses comparativos, vemos que o registro no domicilio do devedor é muito mais interessante do que no domicílio do credor, mas também não descarta este. Assim, a lei está clara e impõe que sejam efetuados os registros nos diversos Registros de Títulos e Documentos, pois a segurança jurídica está calcada na ampla e irrestrita publicidade. O registro num só local não atinge a segurança almejada pela lei e as conseqüências devem ser suportadas.
Não fosse somente toda essa afirmativa, voltemos à análise dos princípios do registro público, os quais, não podem, em momento algum, ser ignorados pelo registrador; caso o faça, estará inobservando normas legais e caindo em responsabilidades a partir do seu dever não cumprido, conforme lhe é determinado pelo art. 31 da Lei 8935/94.
Reanalisemos os princípios desrespeitados, caso o registro seja efetuado no domicílio apenas de uma das partes.
Como dissemos no início do estudo, a “segurança é conseqüência do exercício da boa fé emanada através dos registros, em decorrência da autenticidade e publicidade. Tem-se a certeza de que o ato está livre de riscos, uma vez respeitadas as normas para a formalidade do mesmo, normas estas que cabe ao agente público zelar.”
Numa interpretação da primeira parte dessa afirmação, vemos que a partir do registro, verifica-se a boa fé do interessado em promover o registro. Independentemente do efeito meramente publicitário ou constitutivo, o interessado demonstra que determinado ato, de determinada forma, foi criado, em data que fica fixada, assim como o seu teor. O interessado, portanto, ao solicitar o registro, deixa “às claras” um fato jurídico. Ele demonstra que não foi alterado, que não há fraude, que não há simulação, ou seja, expõe um fato a quem quiser saber de sua existência. Entrega a informação verdadeira ao mundo.
Na parte que segue, dizemos que esta “boa fé emana através dos registros, em decorrência da autenticidade (então o faz sob a chancela da fé pública do Estado, pois é o registro ato emanado de autoridade) e publicidade”. Complemento que “tem-se a certeza de que o ato está livre de riscos, uma vez respeitadas as normas para a formalidade do mesmo.” Ora, quem for buscar informação no registro público, como no caso exemplificado que fizemos anteriormente, entre A,B e C, sentir-se-á seguro de que foram respeitadas as normas para a formalidade do ato, e com isto, não corre riscos.
Com o registro apenas no domicílio de A, – caso não for considerada a publicidade relativa ou mesmo uma publicidade inexistente, por viciada a formalidade prevista no art. 130 da Lei 6015/73 – C, que é pessoa idônea, cautelosa e prima pela boa fé, que acredita na instituição do Registro Público e seus efeitos, e tem uma certidão negativa de registros em nome de B, poderia ser prejudicado. E a Lei 10461/02, que instituiu o atual código civil, sabe-se bem, foi alicerçada no princípio da boa fé.
Melo Júnior (2003:277) ensina que “o Registro Público é ônus, e não obrigação. O princípio da boa fé contratual, a reger e garantir os efeitos dos negócios jurídicos – máxime quanto a terceiros dotados desse ânimo – imprescinde de registro público.”
Não vou aqui encontrar outras ramificações no estudo, como tratando da finalidade da prenotação, da anterioridade de lançamento em protocolo, o que se busca para garantir preferência em determinados negócios. No caso exemplificado, mais que protocolos anteriores, temos registros anteriores ao envolvimento de C. Mas reafirmo que o não cumprimento do disposto no art. 130 quebra qualquer direito de preferência, no mínimo, relativamente, pois é dever do Estado proteger os indivíduos que agem de boa fé, em detrimento dos que não se acautelam na forma da lei. A, portanto, não poderia ter qualquer direito em conflito com direito de C, deste sim, a ser resguardado pelo Estado. O mesmo Estado que fez a regra, que colocou agentes delegados para cumpri-la e promover as orientações pertinentes, e que assegurou direitos pelos princípios norteadores de segurança jurídica e de boa fé nas relações contratuais.
Outro princípio de Registro Público que trabalhamos no início deste estudo é o da Eficácia, que trata especificamente da questão jurídica. “Conclui-se que o ato notarial ou registral está perfeito para produzir os efeitos jurídicos pretendidos, que dele se espera.” Inocorrendo a publicidade prevista em lei, quando deveria estar disponibilizado o conhecimento do negócio no domicílio de ambas as partes e só houve registro em um local, não nos dois, a eficácia também fica relativizada, pois não gera efeitos de publicidade, e se for o caso, constitutivo, em relação a terceiros interessados que busquem no domicílio de B, como fez C, informações sobre negócios em que B seja parte interessada. Trabalhemos outras hipóteses de ineficácia: se o Registro de Imóveis da Comarca X registrar uma Cédula Rural Pignoratícia no Livro 3, mas o Imóvel estiver localizado em Comarca Y, este registro vai gerar efeitos em relação a terceiros? Encontra-se publicidade? Segurança? Autenticidade? Todos nós sabemos que não. Sequer autenticidade, pois ocorre total incompetência de seu agente (vide art. 169 da Lei 6015/73). No mesmo sentido, se o Registro de Imóveis da Comarca X registrar no Livro 3 a Alienação Fiduciária de um equipamento, quando sabemos que o correto seria o registro em Títulos e Documentos da Comarca do domicílio das partes contratantes, nenhum efeito deverá produzir. E, obviamente que esse Registrador incompetente (não tem competência para a prática do ato) deve ser responsabilizado pelos prejuízos causados a terceiros (aqui alcança a cobrança de emolumentos, a falsa idéia de eficácia, a moralidade, etc., conforme art. 31, I e II da Lei 8935/94). Pior ainda, alongando-me um pouco mais no exemplo, se o documento apresentado contiver garantia imobiliária e também mobiliária e o Registrador de Imóveis fornecer na certidão de registro o elenco das garantias, incluindo a mobiliária, que não lhe cabe o registro (!!!) sua responsabilidade pela falsa idéia de que a garantia tem eficácia deve ser arguida, sim, pois não cabe a ele certificar garantia que não lhe compete!!!!
Outro exemplo poderia também ser de um registrador de Títulos e Documentos de Comarca diversa do domicílio das partes, por exemplo, como muitos pensam ser possível registrar um contrato com base na situação do lugar em que se encontra o bem envolvido no negócio jurídico. Como já dissemos numa ótima lição de Dip, o que se registra nessa Serventia é o ato jurídico, não a situação jurídica do objeto. Paulo Rego confirma a assertiva quando ensina: “sabemos que o meio jurídico tutelado no RTD é o meio de prova, é o documento.” (grifei) E o art. 130, reafirmamos, fixa a competência do registrador de Títulos e Documentos como sendo o do domicílio das partes; frize-se, no plural.
Se esse registrador incompetente, o de Imóveis ou o de Títulos e Documentos, como nos exemplos citados, promover o registro, reitero sua responsabilização pelo não atingimento dos princípios registrais, trazendo, acima de tudo, a insegurança social e jurídica dos atos, o que traria a instabilidade e futura “morte” da instituição registraria. (repito: art. 31, I e II da Lei 8935/94)
Mas no caso de registro em um só domicílio, quando diversos os domicílios das partes, em face do art. 130, qual a responsabilidade do Registrador de Títulos e Documentos?
RESPONSABILIDADE DO REGISTRADOR PELA PUBLICIDADE PARCIAL
Com o advento da Lei 8935/94, as teorias acerca da responsabilidade objetiva do Registrador e do Notário passaram a tomar fôlego, uma vez que a subjetividade antes emanada na Lei 6015/73 restou superada com a determinação pautada no art. 236 do ato das disposições transitórias da Constituição da República, resultando no surgimento da profissionalização efetiva dos agentes delegados responsáveis pelos registros públicos e notas. Em breves linhas, entendo que a responsabilidade é objetiva do registrador ou notário somente à medida que existe regra e ele não a observa. Na falta de regra, obviamente a omissão do Estado na regulamentação deve a este trazer a responsabilidade. E, lembro que, na falta de regra, o intérprete deve utilizar-se dos princípios norteadores do registro público, como já delineados no início desta explanação, aliados aos princípios inerentes ao exercício de delegação que se submete à administração pública, pois o registrador e o notário estão gerenciando e agindo em nome do Estado-administração.
Rego lembra, afirmando, que o registrador é agente público e pratica atos de administração. Portanto, sua conduta é pública, devendo atender aos princípios básicos da administração: “São quatro regras de observação permanente obrigatória: a legalidade, a moralidade, a impessoalidade e a publicidade. Esses são fundamentos de validade da ação administrativa.” E continua: “Também temos o princípio da moralidade. Não se trata da moral comum, mas de uma moral jurídica. Há um elemento ético no agir, uma conduta honesta.”
Neste sentido, o registrador deve ater-se a normas legais, administrativas e, por fim, a princípios. Em que pese não haver disposição “escrita” na lei de registros públicos de que o registrador que fizer o registro no domicílio de uma das partes deva avisar o interessado que faça também no local de domicílio da outra ou demais partes, haveria seu dever de orientá-lo, ao menos?
O registrador tem como norte o atingimento dos princípios registrais, especificamente no ato do qual se espera extrair tais fundamentos. Quando o ato está inserto no âmbito do art. 130 da LRP, há que se obter publicidade. Se ele está ciente, do seu dever saber, de que a publicidade plena do ato depende de outra ação do interessado, qual seja o registro do documento em outro local, deve ele, SIM, zelar para que o registro público emane a segurança jurídica pretendida. E esse zelo, não só por sua atividade intrínseca que emana da prática do ato que lhe cabe, está intimamente ligado com o zelo pela coisa pública, decorrente da ética inerente ao seu agir.
Mais que normas a serem seguidas, em que se “agarram” alguns como argumento da legalidade “enxuta”, solitária, estão a ética e a moral no trato público, e é neste momento, somente neste, que a norma escrita deve ser interpretada e elastecida pelo agente público. O justo na conduta digna é o limite, não a letra morta, fixada num papel, inerte.
Lembremos Afonso Celso Rezende que, ao avaliar a Fé Pública, leciona sensatamente afirmando:
“Eis aqui a mais antiga e digna tradição notarial, ou seja, a cientificação às partes, com absoluta isenção de ânimo ou influência na vontade dos que apelam pela sua assistência, quanto ao alcance das conseqüências ou efeitos jurídicos da relação a ser celebrada ou já realizada, e isto em todos os níveis, tanto à vista de uma simples procuração pública ou emancipação, como em virtude dos negócios mais complexos existentes nas relações sociais, dos tipos deserdação, testamento ou sub-rogação de vínculo, onde o trâmite burocrático cartorário é classificado pelo Código Civil como dos mais exigentes.”
Não há, portanto, como ignorar a responsabilização do agente público que não orienta. Outros dirão que está na lei e a ninguém cabe eximir-se dela por ignorá-la, princípio básico de convivência social. Mas, o Estado tem o dever, por si e pelos seus agentes, de diminuir entraves, evitar demandas desnecessárias, proteger a lei e a ordem, informando sempre, ainda mais nesses tempos em que tanto se fala em transparência na administração pública e que esta já demanda na administração privada.
Assim, não havendo regra em como fazer orientações, pois a lei assim não se expressa, elas deverão ser realizadas, mesmo verbalmente, à guisa da fé pública que há de ser considerada. E, pelo que podemos chamar, então, de princípio da transparência no registro público, seria oportuno fazer por escrito a orientação, tanto para garantia de que o interessado se despeça com a informação lembrada em bilhete, quanto para garantia do registrador que também se despede com a prova do seu zelo em empreender o máximo de eficiência na busca do atingimento dos princípios registrais. De uma forma ou outra, resguarda-se, no mínimo, a consciência de dever cumprido.
* A autora: Cristina Castelan Minatto – Oficial Registradora de Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Içara/SC
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