Artigo: Regime da Comunhão Parcial de Bens

Sem pretensão de esgotar o tema, merece nota a possibilidade de se mencionar, em especial, nas escrituras públicas de compra e venda ou de permuta, tratar-se a aquisição do imóvel hipótese de sub-rogação real.

 Para tanto, o comprador deverá declarar, com a anuência de seu cônjuge, casados sob o regime da comunhão parcial de bens, que o ato praticado está em consonância com a previsão do artigo 1.659, inciso I ou II do Código Civil, a fim de excluí-lo da comunhão.
Até a entrada em vigor da lei do divórcio, de 26 de dezembro de 1977, o regime supletivo era o da comunhão universal de bens. A partir desse diploma, o regime subsidiário passou a ser o da comunhão parcial de bens, opção legislativa mantida no Código Civil de 2002 (art. 1.640,CC)
É pelo pacto antenupcial que os nubentes escolhem o regime de bens que lhes aprouver, se não adotarem o regime legal ou não incidirem nas hipóteses do artigo 1.641 do Código Civil.
No silêncio dos nubentes, na ausência de vontade, o regime legal será aplicado. Opção do direito brasileiro, o regime da comunhão parcial de bens é considerado por muitos o mais equânime.
Apesar da possibilidade de lavratura de escritura de pacto antenupcial ainda que os nubentes optem pelo regime da comunhão parcial de bens (por exemplo, para especificar os bens móveis que cada um leva para o casamento, afinal, há bens extremamente valiosos, o que valeria como meio de prova para se derrubar a presunção do artigo 1.662, do Código Civil), em regra, a ausência do pacto antenupcial implica na escolha do regime supra.
 Conforme nos ensina Paulo Luiz Netto Lôbo, em Código Civil comentado XVI, (p.283):
Os nubentes, mediante pacto antenupcial, podem modificar a essência do regime de comunhão parcial, estipulando modos diferenciados de comunhão ou de exclusões, não correspondentes às previstas no art. 1.659 do Código Civil.
O pacto antenupcial é negócio jurídico solene, feito por escritura pública, condicionado ao casamento e com fundamento no princípio da autonomia privada.
Vale notar, que a forma pública é essencial para validade do negócio, o qual tem sua eficácia jurídica subordinada ao casamento (condição suspensiva).
Dessa forma, o regime de bens começa a vigorar na data da celebração do casamento.
O artigo 1.657 do Código Civil cuida da eficácia erga omnes do pacto antenupcial, que não se confunde com sua plena eficácia perante os cônjuges, uma vez elaborado por escritura pública e advindo a celebração do casamento.
Na “escada ponteana”, temos o plano da existência, da validade e da eficácia.
O plano da existência pressupõe elementos mínimos do negócio jurídico, que formam o seu suporte fático. O negocio deve apresentar: partes; vontade; objeto; e, forma.
O plano da validade adjetiva os substantivos (partes; vontade; objeto; e, forma) presentes no plano anterior: para partes capazes; vontade livre; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e, forma prescrita ou não defesa em lei (artigo 104, do Código Civil).
Já no plano da eficácia verifica-se as consequências do negócio jurídico relacionadas a modificação e a extinção de direitos.
O Código Civil de 2002 e 1916 não contemplaram a teoria da inexistência do negócio jurídico procurando resolver seus vícios no plano da validade.
Diante de um pacto antenupcial nulo (deixando de incluir, propositadamente, o termo ineficaz, utilizado no artigo 1.640 do Código Civil, diante da imprecisão técnica do mesmo), vigorará o regime subsidiário, escolhido pela legislação brasileira.
Sobre o tema, assim se manifestou o Professor Pontes de Miranda, citada por Lydia Neves Bastos Telles Nunes, em Direito de Família – Regimes Patrimoniais de Bens (p. 109):
De um lado, argumenta-se que, considerando o regime como fundado na intenção das partes, não se compreende que valha para os casos de ser julgada nula ou anulada a convenção: seria presumir-se o que a realidade desmente, uma vez que os cônjuges manifestaram vontade diferente. Responda-se-lhe que convencionar nulamente ou com vício que importe anulação não é, aí, exprimir vontade. Recentemente, retomaram alguns escritores a tese de BOULLENOIS e ODIER que equiparavam o regime legal de bens aos efeitos pessoais do casamento, borrando a distinção. (…) No velho direito português, a solução era no sentido da convenção tácita. A doutrina corrente em França é contra a anulação que pretendem os adeptos do regime legal fundado na lei. Certo, ao legislador é dado conceber como entenda a regra dispositiva. No direito francês e no direito brasileiro, não é de admitir-se que se haja afastado da corrente tradicional. Nem se diga que, no caso de nulidade absoluta ou relativa da convenção, há imposição do regime legal, porque aí se deixa de lado vontade eivada mas vontade. É demasiado fraca a objeção: quem nulamente quis não quis. O regime legal não é, então, imposto, mas posto no lugar vazio. O que em verdade se dá é que o art. 258[1] mandado tratar a vontade eivada (nula ou anulável) como se não fosse vontade, como não-vontade, deu eficácia ex tunc à decretação da nulidade da convenção ou pacto: tratou-se à semelhança da vontade não-existe, da não-vontade. As sentenças sobre tais convenções que se têm de reputar não-escritas são, todavia, constitutivas negativas, com eficácia ex tunc, e não declarativas.”
Assim vigorando o regime da comunhão parcial de bens, seja por escolha das partes, pela sua omissão ou nulidade do pacto antenupcial, a regra será a da comunicabilidade dos bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento.
Excluem-se desta comunhão de bens o que cada cônjuge já possuir (termo utilizado pelo Código Civil) ao casar e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar e, ainda, os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação de bens particulares.
Em entrevista, datada de 26 de fevereiro de 2014, Christiano Cassettari fala sobre sub-rogação:
Ao disciplinar o regime da comunhão parcial, o Código Civil de 2002 (art. 1659) elencou os casos em que os bens não entram na partilha e um deles é quando os bens foram adquiridos com recursos de somente um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares. (…) O que é sub-rogação? Sub-rogação consiste no ato de substituir uma pessoa ou coisa em lugar de outra. Numa compreensão simplificada, sub-rogação, significa substituição. Por esse motivo ela pode ser pessoal ou real. A sub-rogação pessoal consiste na troca da pessoa do credor, onde, no Direito obrigacional, um terceiro que paga divida alheia se sub-roga nos direitos creditícios. Já na sub-rogação real opera-se a troca de uma coisa, e podemos encontrá-la no direito patrimonial de família.[2]
Prevê o artigo 1.659 e seus incisos I e II do Código Civil:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
Portanto, quaisquer bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em substituição a bens particulares, não integrará a meação (hipóteses de sub-rogação real).
Contudo, vale ressaltar, que a doação pode ser feita ao casal. Dessa feita, tem-se que tal bem se inclui na comunhão, nos termos do art. 1.660, inciso III, do Código Civil.
No caso de doação conjuntiva ao casal (o Código usa a expressão marido e mulher, o que merece interpretação constitucional, não havendo imposição da diversidade de sexo), com o falecimento de um dos cônjuges, ao sobrevivente caberá à integralidade do imóvel, não ingressando este imóvel a massa patrimonial do espólio, sujeita a partilha, pelo direito sucessório.
 É o conhecido direito de acrescer, previsto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil.
Milton Paulo de Carvalho Filho, em Código Civil comentado (p.1876), ensina:
O inciso I exclui da comunhão todos os bens pertencentes ao acervo particular de cada cônjuge, compreendidos que são aqueles já pertencentes na ocasião do matrimônio, ou aqueles adquiridos após a celebração deste, por sucessão ou doação.
O inciso II inclui na lista de bens incomunicáveis aqueles obtidos com o produto da alienação de qualquer bem integrante do patrimônio exclusivo do cônjuge (p. ex., venda de um imóvel que o varão possuía antes de casar-se e aquisição de um novo após o casamento).
Já Silvio de Salvo Venosa, em Código Civil interpretado (p.1522), leciona:
Os bens que substituem os bens particulares, os que a lei se refere como sub-rogados, também se excluem da comunhão. Para que se aplique o dispositivo, é necessário que o cônjuge ressalve essa sub-rogação no título aquisitivo e prove que de fato um bem substitui outro. A matéria tem pertinência no tocante aos imóveis, pois quanto aos móveis vigora a presunção do art. 1.662, no sentido de que foram adquiridos na constância do casamento. Não se exclui, em princípio, a sub-rogação dos bens móveis na espécie, mas sua prova é mais difícil.
Diante de um caso de sub-rogação real, o título aquisitivo (p. ex. escritura pública de compra e venda), deve mencionar por declaração da parte interessada, com anuência de seu cônjuge, que também se fará presente no ato, tratar-se de hipótese de sub-rogação nos termos do inciso I ou II do artigo 1.659 do Código Civil.
No que tange ao limite da sub-rogação, Eduardo de Oliveira Leite, em Direito Civil aplicado – Direito de Família (p. 329), posiciona-se:
O limite da sub-rogação é o valor do bem particular (adquirido antes do casamento, ou doado ou herdado). Se o bem sub-rogado é mais valioso que o alienado, a diferença do valor, se não foi paga com recursos próprios e particulares do cônjuge, passa a ser comum a ambos os cônjuges.
Devemos nos ater, ainda, a interpretação do artigo 1.659, inciso IV, do Código Civil, pois, o que se tem por excluído da comunhão é o direito de recebimento dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.
Portanto, durante a vigência do casamento, os proventos recebidos em espécie ou através da aquisição de algum bem se comunicam e, dessa forma, não pode ser considerados como recurso próprio e particular de um dos cônjuges.
Nesse sentido é o REsp 1295991 MG 2011/0287583-5, Relator(a): Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Julgamento: 11/04/2013 , Órgão Julgador: T3 – TERCEIRA TURMA, Publicação: DJe 17/04/2013:
Ementa. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DOCPC. NÃO OCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃOPARCIAL. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO.PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONTRIBUIÇÃO DE AMBOS OS CONVIVENTES.PATRIMÔNIO COMUM. SUB-ROGAÇÃO DE BENS QUE JÁ PERTENCIAM A CADA UMANTES DA UNIÃO. PATRIMÔNIO PARTICULAR. FRUTOS CIVIS DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃODOS PROVENTOS. 1. Ausência de violação do art. 535 do Código de Processo Civil ,quando o acórdão recorrido aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível. 2. Na união estável, vigente o regime da comunhão parcial, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da união são resultado do esforço comum dos conviventes. 3. Desnecessidade de comprovação da participação financeira de ambos os conviventes na aquisição de bens, considerando que o suporte emocional e o apoio afetivo também configuram elemento imprescindível para a construção do patrimônio comum. 4. Os bens adquiridos onerosamente apenas não se comunicam quando configuram bens de uso pessoal ou instrumentos da profissão ou ainda quando há sub-rogação de bens particulares, o que deve ser provado em cada caso. 5. Os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento. 6. Interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial. 7. Caso concreto em que o automóvel deve integrar a partilha, por ser presumido o esforço do recorrente na construção da vida conjugal, a despeito de qualquer participação financeira. 8. Sub-rogação de bem particular da recorrida que deve ser preservada, devendo integrar a partilha apenas a parte do bem imóvel integrante do patrimônio comum. 9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.[3]
Por fim, merece destaque interessante citação de Paulo Lôbo, em Direito Civil – Família (pg.320), ao lecionar sobre a utilização do termo possuir no inciso I do artigo 1.659 do Código Civil:
Se o cônjuge apenas detém a posse do bem, ao casar, mantém-se assim como bem particular seu, não se alterando se vier a adquirir a propriedade pela usucapião, após o casamento.
Como sempre anotamos, o notário é um jurista, dotado de fé pública, que visa dar eficácia e segurança a negócios jurídicos privados, imprimindo autenticidade e legalidade aos atos por ele realizados.
A fé pública do notário cria uma presunção relativa de veracidade do que é escrito no livro notarial e, portanto, pressupõe uma análise especializada da documentação que fundamenta a lavratura do instrumento público, impondo credibilidade e segurança no ato lavrado.
Em que pese a inserção de hipótese de sub-rogação real ser declaratória da parte interessada, é certo que os contornos deste ato precisam ser bem delineados e devidamente explicados aos cônjuges.
Deve-se verificar a veracidade da informação, muitas vezes mal compreendida pela parte, diante de uma interpretação incorreta do artigo em comento.
 Busca-se, assim, prevenir litígios e resguardar os usuários de futuros aborrecimentos.
Mostra-se imperioso o estudo continuo e corriqueiro das normas que regem nossa atividade, assim como permanecer sempre atualizado das decisões jurisprudências que envolvem nossa área de atuação, pautando-se sempre pela boa-fé e cautela.
REFERÊNCIAS
CÓDIGO CIVIL COMENTADO: doutrina e jurisprudência – Lei nº 10.406, de 10.01.2002 – contém o Código Civil de 1916. Cezar Peluzo (coord.). 6ª ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2012.
CÓDIGO CIVIL COMENTADO: direito de família, relações de parentesco, direito patrimonial: arts. 1.591 a 1.693, volume XVI/ Paulo Luiz Netto Lôbo; Álvaro Villaça Azevedo (coord.). São Paulo: Atlas, 2003.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado – Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 5 vol.
LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
NUNES, Lydia Neves Bastos Telles. Direito de Família – Regimes Matrimoniais de Bens. J. H. Mizuno, 2005.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010.
[1] Referência ao CC de 1916, atual art.1.640.
[2] Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5254/Entrevista:++Christiano+Cassettari +fala+ sobre+sub-roga%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 26 de abr. 2015.
[3] Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23103981/recurso-especial-resp-1295991-mg-2011-0287583-5-stj>. Acesso em: 26 de abr. 2015.
*Débora Fayad Misquiati é Oficiala de Registro Civil e Tabeliã de Notas do município de Arealva em São Paulo.
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.

Fonte: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NTYyOQ==