Direito de Família: O reconhecimento da paternidade na esfera extrajudicial

Por Branca Lescher Facciolla

Recentemente nosso escritório – Lescher & Lefèvre Advogados Associados – foi procurado por um rapaz que tendo estabelecido união estável por dois anos, desejava reconhecer formalmente a filha que havia nascido daquela união.

O rapaz jamais manteve qualquer contato com sua filha, pois o casal separou-se antes do nascimento da menor, tendo a mãe da criança mudado de endereço, desativado telefones, enfim, afastou-se do convívio, tendo informado o nascimento ao pai da criança, nosso cliente, vários dias após o nascimento.

Ainda que o Código Civil estabeleça em seu art. 1609 que o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento será feito por escritura pública ou escrito particular assinado em cartório, acreditamos na época que a propositura de ação de reconhecimento de paternidade seria também medida de rigor, já que os cartórios de notas e de registro civil nos informaram que o juiz corregedor após receber a escritura iria chamar a mãe da criança a se pronunciar e, se negativa fosse sua resposta, seria determinado exame pericial para se aferir a procedência da alegação do pretenso pai.

Entendendo, portanto, que o caminho a ser transcorrido seria o mesmo, ingressamos com ação de reconhecimento de paternidade cumulada com alimentos. O juiz da causa determinou fosse emendada a inicial, a fim de que ficasse demonstrado o interesse de agir, nos termos do que dispõe exatamente o art. 1609 supra citado.

Fomos então em busca de esclarecer o entendimento do magistrado, que se pronunciou no sentido de que o interesse de agir seria melhor demonstrado através do procedimento extrajudicial, qual seja o procedimento de escritura pública, junto ao Cartório de Notas e Civil.

Optamos então por desistir daquela demanda e fomos com nosso cliente ao Cartório de Notas lavrar a escritura de reconhecimento de paternidade. Lavrada a escritura, a encaminhamos ao Cartório de Registro Civil em que foi assentado o nascimento da menor.

Nos pediram mais ou menos dois meses para o encaminhamento ao juiz corregedor. Após tal prazo recebemos o telefonema do cartório informando que poderíamos já ir ao cartório retirar o “documento”.

Lá chegando fomos agradavelmente surpreendidos pela certidão de nascimento da menor com a inclusão do nome do pai e dos avós paternos, nos termos do que havia sido reconhecido pela escritura lavrada. O juiz corregedor ao tomar contato com a escritura determinou “averbe-se no registro de nascimento da menor o nome do pai e dos avós paternos”.

Já munidos da certidão de nascimento ingressamos com a ação de regulamentação de visitas que está em trâmite.

O que surpreende no caso presente – surpresa compartilhada com vários colegas – é o fato de que a mãe da menor não foi chamada a manifestar-se, o que no primeiro momento nos pareceu estranho, para após, refletindo sobre os fatos, nos parecer a decisão mais acertada, de acordo com a lei e mais adequada para garantir os direitos da criança.

Uma escritura pública em que se reconhece a paternidade de alguém é um documento que acarreta ao declarante direitos, mas também significativos deveres. Deveres que pressupõem responsabilidade e um grande encargo material e emocional para o resto da vida.

Caso a declaração seja falsa, a conseqüência é uma ação penal, e nosso cliente estava ciente de tal fato por nós e pelo serventuário do cartório de notas, tendo sido o reconhecimento atitude responsável de alguém que não gostaria de se furtar da incrível experiência de ser pai.

A atitude do juiz corregedor respeita o dispositivo legal com perfeição, já que a lei não determina seja a escritura feita de comum acordo entre os pais da criança, nada dispondo a respeito; apenas ressalta que o reconhecimento pode ser feito através de escritura pública, o que significa dizer que não poderia ter sido outra a atitude do magistrado que a determinação da averbação que se processou.

São Paulo, 04 de agosto de 2004