RCPJ – Vigiar na qualificação registral
Em breves palavras, sem intencionar persuasão embasada ou até fundamentada, eis que o princípio da qualificação registral é de uso obrigatório e dispensa lembrar sua importância aos seus atores, tomo por certo o dever de alertar os colegas sobre a necessidade de revermos alguns pontos relativos ao ingresso de documentos na Serventia de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
Relembrando a questão de que a atribuição de Registrador de Títulos e Documentos é extremamente desconhecida pelos operadores do direito, em geral, da mesma forma a atribuição de Registrador Civil de Pessoas Jurídicas sofre, pelo mesmo motivo, da falta de regras e informações, o devido reconhecimento e valoração. Nesse sentido, o próprio registrador se aliena e permite que muitas situações sejam levadas a registro ou averbações sem cumprir seu papel de “filtro”, não avaliando as condições dos títulos e papéis apresentados e descuidando do basilar princípio registral chamado segurança. (art. 1º, Lei 8935/94 e art. 1º, Lei 6015/73).
É certo ao Tabelião de Notas que numa ata notarial ele deverá decrever o que presencia e não o que interpreta; ao Registrador de Imóveis cabe a análise do titular da propriedade matriculada para efetuar o registro de transmissão desse direito real de pessoa certa, previamente qualificada no acervo sob sua guarda; ao Registrador Civil de Pessoas Naturais, cabe-lhe assentar a averbação de uma separação judicial com base no mandado que contenha a sentença com data, previsão do nome e indicação de trânsito em julgado; ao Registrador de Títulos e Documentos, ao recepcionar um contrato de arrendamento, caberá verificar o prazo, valor, indicação do objeto e assim por diante. O arrendamento rural tem prazo mínimo de 3 anos. Se vier consubstanciado um prazo menor, por exemplo, de 2 anos, poderia o Registrador lançar o documento, emprestando-lhe validade em dissonância com o que está regrado legalmente? Assim também funciona com o Registrador Civil de Pessoas Jurídicas. Não basta, no registro de uma associação de pessoas o registrador verificar se os estatutos contém os itens indicados no art. 54 e lançar no registro os requisitos do art. 46 do Código Civil e art. 121 da Lei 6015/73.
Os documentos apresentados que comprovem a efetiva e válida criação da associação devem ter o mínimo de indicações que comprovem a lisura do pleito eleitoral, da aprovação do estatuto, da ampla publicidade para livre associação e da transparência na forma de constituição. E isso é dever do Registrador analisar. Não são questões que lhe fogem à atribuição, sequer trata-se de juízo de valor, mas reflete no seu dever de proteger e resguardar a segurança registral e, mais além a segurança jurídica alcançada com essa segurança aliada à autenticidade, publicidade e eficácia. O registrador deve buscar os quatro elementos em cada ato que pratica; sempre. Faltando um deles o Registrador está impedido de praticar o ato de registro ou averbação – veja bem, não é vontade sua, é obrigação de cumprir a norma, uma vez que é agente público e tem o dever legal de observar as normas (art. 31, I, Lei 8935/94).
Além dos requisitos legais taxativos e expressos nos arts. 46 e 54 do Código Civil e art. 120 da lei registrária, o Registrador Civil de Pessoas Jurídicas deve resguardar a certeza de que o seu ato garantiu as condições de acessibilidade ao registro ou averbação. O ato constitutivo de uma associação não é seu Estatuto, pura e simplesmente. Mas a ata de fundação e a eleição de seus dirigentes precisam estar presentes, e mais, munida de características que lhe emprestem a certeza (oponível) de que se revestiu, no mínimo, de respeito “à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes” (art. 115, LRP). Sem falar nos Estatutos com ausência de requisitos, é comum aportar nas Serventias atas desprovidas de assinaturas, ou com rasuras ou emendas não ressalvadas. Elegem-se dirigentes e nas atas não são identificados, e muito menos qualificados, quando muitas vezes ousam chamá-los por apelidos. Atas de aprovação de alterações de estatutos ou atas de eleição se apresentam mal redigidas, resumidas, inventadas, sem sequer definir quorum e outras condições de sua validade para cumprimento do previsto nos Estatutos Sociais.
Não há, portanto, que se falar em averbação de ata de eleição, por exemplo, quando os interessados, por total desídia e irresponsabilidade não promovem a publicação do edital de convocação, o qual deve sempre conter requisitos mínimos como horário, motivo, tipo de assembléia, nos termos do Estatuto, identificação do convocante, prova de sua publicação, etc; atas sem identificação de quorum e de horário de realização (para cumprimento do edital que o previu), sem identificação de seus responsáveis; e assim por diante.
Nós, Registradores Civis de Pessoas Jurídicas, em especial aqui os catarinenses, estamos diante de um desafio que nos remete às agruras da especialidade que também “carregamos nas costas”, que é o Registro Civil das Pessoas Naturais e sua visão cidadã, que por sua imagem de popularidade e, por isso simplicidade e baixo rendimento, temos que manter a altivez e a responsabilidade do nosso mister. A avaliação dos documentos das associações demanda tempo, estudo e uma responsabilidade não visível aos seus apresentantes. E os responsáveis pelas associações catarinenses, – quase todas, ou todas, protegidas pela isenção de emolumentos,- não compreendendo a atividade registral, tem por si que as notas devolutivas que apresentam impugnações ao assentamento solicitado representam absurdos que lhe são prejudiciais, como se o Registrador fosse o vilão. Apesar do ressarcimento efetuado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que compensa legalmente (pois ressarce o valor indicado na lei) o serviço prestado pelo Registrador, não há que se falar em compensação digna; diga-se de passagem que uma averbação custa R$ 20,80. Não é à toa – aqui fujo do tema proposto – que Serventias de Registro Civil restaram vagas no último concurso.
Dito isso, afirmo minha atual determinação em respeitar minha atribuição de Registradora Civil de Pessoas Jurídicas e apresentar esta minha preocupação na prática. Que venham as reclamações às impugnações. É meu dever cumprir a lei e a isto prestei compromisso na posse. E você?
Cristina Castelan Minatto – Oficial do Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Içara/SC (com muito orgulho)