Registro civil na maternidade de substituição
Se Aldous Huxley, criador da fábula futurística descrita na obra “O Admirável Mundo Novo”, em que eliminou as figuras do pai e da mãe e introduziu a criação de bebês manipulados em laboratório, nascidos de proveta, estivesse vivo hoje, certamente se extasiaria com o desenvolvimento da engenharia genética e com ela as técnicas de reprodução assistida (RA). A biotecnologia na área de reprodução, em tão pouco tempo, avançou com tanta intensidade que os casais que tentam a gravidez não conseguem acompanhar o intenso ritmo da evolução. Quando se está praticando determinado procedimento uma nova formatação invade as clínicas carregando regras mais precisas e com maiores chances de sucesso.
“Praticamente todos os dias, adverte Moser, bioeticista recentemente falecido após tentativa de assalto no Rio de Janeiro, somos bombardeados com o anúncio de novas experiências e descobertas no campo da genética. Aquilo que ainda há 30 anos era apresentado como “problemas de fronteira”, agora passa a ser problema do cotidiano”1.
A Corregedora-Nacional de Justiça, Nancy Andrighi, em boa hora, editou o provimento 52, de 15 de março de 2016, do Conselho Nacional de Justiça, dispondo sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. Na primeira parte do documento cuida da regularização, sem qualquer intervenção judicial, dos filhos gerados pelas técnicas de reprodução assistida de casal heteroafetivo ou homoafetivo, observando com relação ao último, dentre outras exigências que, o assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes sem qualquer distinção quanto à ascendência paterna ou materna.
O Conselho Federal de Medicina expediu a Resolução nº 2013, de 9 de maio de 2013, que permite a utilização das técnicas de RA desde que exista possibilidade efetiva de sucesso e não incorra em risco grave para a paciente ou até mesmo ao descendente, sendo que tal regra prevalece também quando se tratar de doadora temporária de útero, possibilidade existente aos parentes dos parceiros interessados, numa vinculação consanguínea até o quarto grau (mãe, irmã, tia e prima), respeitando sempre o limite de idade de 50 anos.
Para se atingir a gestação por substituição, o casal se submete à fertilizaçãoin vitro, que compreende a manipulação do material procriativo masculino e feminino, com a consequente transferência intrauterina dos embriões. Quer dizer, o casal lança mão dos próprios gametas para atingir o projeto parental e, em razão de problema médico que impeça ou contraindique a gestação da doadora genética, ou em sendo caso de união homoafetiva, a Resolução sugere e permite a gestação de substituição. Incisiva a definição da Lei Portuguesa (Artigo 8º da lei 32, de 26 de julho de 2006) a respeito da maternidade de substituição: “Entende-se por maternidade de substituição qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando-se aos poderes e deveres próprios da maternidade”.
Antes do Provimento, a criança nascida era registrada em nome da mãe biológica, pois prevalecia a regra de que mãe era quem a paria e contava ainda com a inquebrantável fórmula romana da maternitas certa est e, posteriormente, buscava-se o Poder Judiciário para anular o registro e nele fazer inserir os dados dos pais genéticos2.
Agora, no ato do registro, obrigatoriamente serão apresentadas a declaração de nascido vivo – DNV, a declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica de reprodução humana, indicando o procedimento adotado, o nome do doador ou da doadora e a certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.
Em caso de doação temporária de útero, outras providências mais específicas são exigidas, tais como: a) termo de consentimento prévio, por instrumento público, do doador ou doadora, autorizando, expressamente, que o registro de nascimento da criança a ser concebida se dê em nome de outrem; b) termo de aprovação prévia, por instrumento público, do cônjuge ou de quem convive em união estável com o doador ou doadora, autorizando, expressamente, a realização do procedimento de reprodução assistida; c) termo de consentimento, por instrumento público, do cônjuge ou do companheiro da beneficiária ou receptora da reprodução assistida, autorizando expressamente a realização do procedimento.
E a importante e inovadora observação de que na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo -DNV.
Providencial e com acerto a determinação constante no Provimento editado. Os envolvidos no procedimento de gestação por substituição não terãoque invocar a tutela jurisdicional e basta a apresentação dos documentos exigidos ao responsável pelo registro, que deverá lavrar o assento, desde que satisfeitas as condições. A clínica de reprodução assistida, por sua vez, exerce paralelamente uma função cartorial, pois deve se responsabilizar por toda a documentação coletada tanto dos participantes como também dos procedimentos médicos realizados.
1 Moser, Antônio, Biotecnologia e bioética: para onde vamos? Rio de Janeiro: Vozes, 2004, p. 421.
2 Clique aqui.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior – é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.
Pedro Bellentani Quintino de Oliveira – é mestrando em Direito pela Unesp/Franca, pós-graduando em Direito Empresarial pela FGV/São Paulo, advogado.
Fonte: Migalhas