Requisitos para o registro de natimorto: nascimento ou óbito?
Os requisitos dos registros públicos são aqueles constantes na legislação específica, complementada, eventualmente, por normas administrativas editadas pela Corregedoria Geral da Justiça. Cabe a nós, registradores, o respeito ao direito positivado e às determinações do Órgão Fiscalizador, sendo o atendimento a este, nada mais que corresponder àquele. Além desse caminho reto, temos que nos utilizar do bom senso e do atendimento aos princípios basilares do registro público: segurança, autenticidade, publicidade e eficácia, os quais são institutos de aplicação no nosso dia a dia e já os discutimos em outra ocasião, não havendo necessidade de os revisarmos neste momento.
Assim, no caso do registro de natimorto, face sua peculiaridade em decorrência da hibridez, um misto de nascimento com óbito, e não tendo norma minuciosa sobre a forma procedimental, cabe-nos, com o bom senso citado, utilizarmos a lucidez de doutrinadores renomados e por fim, concluirmos sua situação frente aqueles princípios orientadores já mencionados.
Batalha nos traz em poucas palavras uma orientação concisa sobre a espécie: “Se o nascimento se caracteriza pelo fato da respiração, pela entrada de ar nos pulmões, aquele que é retirado do corpo materno e que não haja respirado considera-se natimorto. Não adquiriu personalidade jurídica e os direitos que a lei assegurava desde a concepção tornam-se frustrâneos, inexistentes. Não se estabelece vínculo sucessório através de natimorto, posto que este, para os efeitos de direito, é como se não existiria.”
E complementa:
“É por isso que o registro se efetua no Livro C-Auxiliar, instituído pelo art. 33 da Lei sub comentário.”
Com sua sensatez, Batalha resume o compreensível, ou seja, que um natimorto é aquele que poderia ter nascido com vida, mas não o foi; e assim, sem vida, surgiu para não movimentar o mundo jurídico. Não adquiriu personalidade, tanto que a Lei Registrária sequer requisita seu nome. E Batalha ressalta, se é um morto, a Lei tratou como óbito, portanto o Livro C-auxiliar. Não será o registro efetuado num hipotético livro A-auxiliar, pois não se trata de nascimento. E disse: ”(…) para os efeitos de direito, é como se não existiria.”
Outro doutrinador, de vanguarda, Regnoberto de Melo Jr., ao comentar o art. 53 da LRP, que trata do registro de natimorto, faz a seguinte análise:
“Como dizia, o caput do art. 53 determina o registro de nascimento e óbito em casos especiais. O seu §1º, reproduzindo o comando implícito no inciso V do art. 33 da LRP, indica o registro de óbito do natimorto, no Livro C-Auxiliar. Neste caso de natimorto, deve-se render ao sistema da LRP, e admitir que só haverá um registro: o do seu óbito.”
(grifo nosso)
Reinaldo Velloso dos Santos, por sua vez, afirma:
“Ressalte-se que a legislação disciplina apenas o registro de natimorto, que é o óbito fetal tardio, ocorrido após 28 semanas de gestação, não havendo previsão do registro das demais perdas gestacionais, classificadas como aborto.”
E continua: ”Considera-se óbito fetal tardio a morte do produto da concepção ocorrida antes da separação completa, por expulsão ou extração, do corpo materno.”
Não havendo qualquer indicação no Código de Normas, que ressalte análise senão da própria norma registrária positivada, qual seja a do §1º do art. 54, e compreendendo o intuito daquele legislador, registrando-se a ocorrência de uma situação que não importa em minúcias para assegurar direitos (ressalvados os direitos trabalhistas e previdenciários dos pais), por essência dos institutos da personalidade adotados pelo nosso sistema jurídico, o tratamento ao registro de natimorto, com as cautelas devidas, deve ser o mesmo dado a um registro de óbito; pois, óbito houve, mas nascimento, na acepção jurídica, jamais ocorrera.
Referências
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei de Registros Públicos. RJ, Forense, 1997, vol. 1, p.121.
MELO Jr., Regnoberto Marques de. Lei de Registros Públicos Comentada. RJ, Freitas Bastos Editora, 2003, p. 121.
SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Registro Civil das Pessoas Naturais. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 2006, p. 132.
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* a autora é Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Içara/SC. Especialista em Direito Imobiliário (Univali) e em Metodologia e Didática do Ensino Superior (Unesc).
Contato: oficial@cartorioicara.com.br