Responsabilidade civil do Estado e do Notário face escritura pública baseada em documento falso
Desde o Código Civil de 1916, o legislador procura fundamentar a responsabilidade no pressuposto da culpa, chegando-se assim na teoria subjetiva. No entanto, provar a culpa era muito difícil, adotando assim a culpa presumida, este princípio da responsabilidade objetiva, uma vez que sem haver prova da culpa, não existia nenhuma obrigação em reparar o dano. (GONÇALVES, 2003, p.08).
Quando o novo Código Civil entrou em vigor, manteve-se a responsabilidade fundada na culpa, como a descrição do artigo 186, que traz o ato ilícito: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2007). Na esteira do Código, citemos ainda o art. 927:
Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2007)
Desta forma, o Código Civil de 2002 fundamentou a responsabilidade não unicamente na culpa, mas também no risco, adotando-se assim a teoria objetiva.
No caso desta teoria, para que haja a responsabilidade civil, devem estar presentes os pressupostos como culpa, dano e nexo causal entre a conduta do agente e o ato ilícito. Apenas dessa forma é que se falará em reparação ao prejuízo causado.
No tocante aos notários e registradores, responderão pelos danos, que podem ser materiais ou morais, por atos praticados no desenvolvimento do serviço que lhes são atribuídos por lei, as funções legais do ofício, de organização técnica, administrativa e que causem prejuízo a alguém, neste caso a vítima tem direito à reparação. (CENEVIVA, 2006, p. 176- 177).
Responderá pelo ato ilícito quando praticado mediante negligência, imprudência ou imperícia que causar dano a outrem, o notário e registrador que não observar as normas do artigo 31 da Lei 8.935/94:
No caso dos oficiais de registro e tabeliães, como agentes públicos, a responsabilidade civil é objetiva. Enquadra-se nesta teoria, pois admitindo ser um agente público, aprecia-se que sua atividade é delegada do Estado, sendo assim, subordinado subsidiariamente. A atual Carta Magna recepcionou a teoria do risco e a responsabilidade civil objetiva. O risco funda-se no nexo causal entre o ato do agente e o prejuízo. (GONÇALVES, 2003, p.478).
A Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva fundamenta-se em um ato cuja responsabilidade recairá toda sobre o agente, conhecida como responsabilidade civil subjetiva. Neste contexto, assegura Ana Cristina Maia:
Pela Teoria Subjetiva fica vinculada a obrigação reparatória à presença da culpa latu sensu na ação ou omissão do agente. A prova da culpa do agente é essencial para a verificação da existência ou não do dever de reparar o dano. (2002, p.03).
Inspirada na culpa, a teoria subjetiva apresenta a responsabilidade fruto do comportamento culposo ou doloso, situado na conduta do infrator. Assim sendo, é imprescindível a prova da culpa do agente, cabendo assim, a reparação do dano. (RODRIGUES, 2006, p. 11).
Isto significa que, diferentemente da responsabilidade civil objetiva onde quem prova a existência ou não de culpa é o próprio causador do dano, na subjetiva esta culpa ou não-culpa deve ser demonstrada pela vítima da lesão. Só terá seu prejuízo reparado, se comprovar que o infrator teve realmente culpa no ato ilícito.
Cabe ainda, falarmos da Teoria do Risco e a Responsabilidade do Estado. Essa teoria possui duas correntes que merece destaque. Uma delas é a teoria do risco integral, onde conforme Márcio Coelho, o Estado fica obrigado a reparar qualquer dano sofrido por particulares, desta forma, a Administração Pública não poderá opor as excludentes de responsabilidade, ou a falta de nexo causal. (2005, p. 49).
O risco integral baseia-se no simples fato de a mera comprovação do nexo causal, a relação entre a causa e o resultado, entre o dano e a conduta do infrator, já acarreta na obrigação de ressarcimento. (BACELLAR, 2006, p. 312).
Quanto a segunda corrente, a teoria do risco administrativo, alega Rui Medeiros que, ampara-se na falta de serviço, não significando que seja necessário sempre haver uma indenização. A vítima está desobrigada de provar a culpa da Administração, havendo assim uma inversão do ônus da prova, onde a Fazenda Pública poderá provar a culpa da vítima sendo isentado da obrigação de ressarcir. (1996, p. 255).
Tratando-se dos notários e registradores como particulares prestadores de serviço público, encontram-se ambos amparados pela atual Carta Magna, onde o Estado, no que tange as pessoas jurídicas de direito públicos e pessoas de direito privado prestadoras de serviço público, responderá direta e objetivamente pelos atos praticados por esses agentes contratados. (BENICIO, 2005, p. 207).
Sendo mencionado na condição de agente público, se seguido o dispositivo legal 37 e seu parágrafo sexto da Constituição atual em vigor, o ente Estatal, responderá subsidiariamente.
Nesta seara de definições, podemos concluir que, se o agente público, in casu o notário que lavrou a escritura com base em fraude documental, sendo a fraude de difícil percepção – tanto que averiguada em sede judicial, através de perícia especializada – não sendo ele um perito em documentoscopia, não responderá por qualquer reparação, tendo agido no estrito cumprimento de sua delegação, sem culpa, inclusive. “A técnica para esse tipo de estudos não se aprende a toda hora, não vemos publicações a respeito, pois não é costumeiro tornar público essa tecnologia face os segredos e perigos que ela encerra.” (CINELLI: 2008, p. 3) Ao Estado, baseado na teoria do risco, caberá qualquer indenização que por ventura seja pleiteada.
Referências bibliográficas
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade Civil da Administração Pública – Aspectos Relevantes: A Constituição Federal de 1988. A Questão da Omissão. Uma Visão a partir da Doutrina e da Jurisprudência Brasileiras. São Paulo: Malheiros, 2006.
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BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
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_________. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Vade Mecum. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
CINELLI, Sebastião Edson. Cruzamentos de Traços – Prioridades. Disponível em: http://www.cinelli.com.br/antologia.htm. Material da 1ª aula da Disciplina Atualização Técnica Aplicada ao Direito Notarial e Registral, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Notarial e Registral – UNISUL – REDE LFG.
COELHO, Márcio Xavier. Fundamentos da Responsabilidade Civil Estatal. Brasília: OAB Editora, 2005.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MAIA, Ana Cristina de Souza. Responsabilidade Civil dos Notários e Registradores. Jus Navigandi, Minas Gerais, fev. 2002, Seção Doutrina. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2890>. Acesso em 03 ago. 2006.
MEDEIROS, Rui. Dicionário de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1996.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20ª ed. 4v. São Paulo: Saraiva, 2003.
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* a autora é Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Içara/SC. Bacharel em Direito (UFSC); Especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior (UNESC/SC); Especialista em Direito Imobiliário (UNIVALI/SC); Especialista em Direito Notarial e Registral pela UNISUL/LFG.
Contato: oficial@cartorioicara.com.br – texto produzido em 2008
Fonte: * por Cristina Castelan Minatto (2008)